Admmauro Gommes
Confesso
que me surpreendi ao ler o poema Nomofobia
de José Durán y Durán, por sua atualidade e descrição fidedigna de uma geração
que vive sob o signo da alienação. Sobre o texto, escrevi para o autor dizendo
que ele havia dado um pulo estético incomensurável na sua produção literária.
Alguma coisa como a ação de eletrofótons, irradiando novas dimensões na poesia.
Com
aguçado olhar, resultante de profícua experiência de vida, o poeta descreve
amiúde sintomas patológicos de quem não abre mão de um celular. Acredito que a
construção dos versos em tela gerou perplexa angústia, durante o ato criador,
principalmente quando se comparam tendências sociais passadas com as de agora.
Antigamente (este termo é propositado) era necessário um grupo bem articulado
para se criar um herói ou um monstro, condição exigida para que houvesse
seguidores ou repulsas. Atualmente se cria um monstro on-line com a maior
facilidade. A maioria das crianças, antes de entrar no ensino fundamental, já
está apta para essa finalidade. E próxima do abismo. Do naufrágio, pois
navega sem rumo.
A
elaboração de um monstro, dito de forma figurada, implica em fomentar algo danoso
e que não se vislumbra a possibilidade de vencê-lo. Um Frankenstein camuflado, embora
cada vez mais seja assustador, indomável. Assim é o uso desenfreado do celular,
que assusta até pela possibilidade de, por um breve momento, não se poder
utilizá-lo, o que resulta em uma caracterizada fobia. A remota possibilidade de
não contar por algum instante com um smartphone provoca extenso pavor em quem
não faz nada sem “ele.”
Deste
modo, o poeta fotografia o estado atual de quem está preso à informação
imediata, sem ao menos checar sua veracidade. Passatempo que consome um dia
inteiro, se deixar. O que se percebe, nas entrelinhas, é que essa prisão tem um
relacionamento direto com a banalidade e com o fugaz. A nova fobia “invade aos
alfas” (eu diria analfas) e chega ao ponto de temer a ausência dos sinais de um
wi-fi. Estamos reconhecendo este estágio como doença, por conta do vício que contamina e se espalha, com a difusão dos fake news. Quem usa desse
expediente cai nas próprias armadilhas.
Voltando
ao poema, em “Celulares são suas celas”, destacamos uma engenhosa aliteração
que condensa o pensamento do poeta, pois trata da fobia durante todo
o texto sem dela falar explicitamente. Criam-se paredes, celas, jaulas e dentro
dessa ilusão ótica se escondem, achando que assim também estão escondidos do
público. É como alguém que perde a visão e, no meio da rua, se encontra nu.
Pelo fato de ele não estar vendo a sua nudez, julga que as pessoas também não a
veem. Seria uma cegueira coletiva?
Com uma
força poética que ultrapassa as linhas de uma literatura tradicional, Durán
reconhece que os que sofrem de nomofobia “Disfarçam carências e mutilações”
como uma forma de se protegerem por trás de algo tão frágil e isso faz com
que muita gente que não toma o café da manhã sem antes “comer” o celular,
arranje coragem e seja feliz dentro de um falso anonimato, onde tudo pode, ou
pelo menos acha que pode. O pseudopoder que se imagina ter com tudo ao alcance
dos dedos se confunde, no fim das contas, com o monstro, e as alucinações do
próprio medo. Diante de uma compulsão sem limite, essa é uma doença que aos
poucos dá sinal de sua existência e culmina dominando o corpo onde habita.
Outro
verso magistral: “A angústia a giganta o medo.” Este é um poema de e sobre
nosso tempo, que aponta as fraquezas humanas, quando exatamente se pensa que
tudo se conquista pelo engodo. E, em vez do sucesso, eis a inevitável angústia,
decepção, pois existe uma vida real off-line.
Desfrutamos,
nesse poema, de uma visão privilegiada porque o poeta, sendo profundo
conhecedor dos sentimentos humanos, nos alerta, ao denunciar esse tipo de
fobia. Descreve o estado emocional de uma geração que já nasce padecendo de um
medo indescritível. Daí, os estados sentimentais abalados, onde o stress
facilmente penetra no vazio da existência, exatamente quando a bateria se
descarrega.
Em última
apreciação, recomendo que este poema seja lido tanto pelos que estudam a mente
humana quanto pelos que buscam analisar o comportamento social coletivo, antes
que se aumente o número de zumbis que reproduzem mensagens sem delas saber o
que realmente dizem. Aí, finalmente vem a decepção. Nas conhecidas palavras,
quem constrói uma casa na areia, terá sempre o medo de que haja um vento muito forte. E este virá, se não controlarmos o uso de um instrumento tão importante
para a vida contemporânea, o celular.
Ao
término de meu breve comentário, considerei que o poema aludido inscreve o nome
Durán no rol dos grandes escritores da poesia absoluta. E afirmo sem medo. Eis o
poema (sic):
NOMOFOBIA
Nova fobia invade aos alfas,
Internautas empedernidos,
Viciados em conectividade,
Navegam o mundo na palma da mão.
Celulares são suas celas,
Próteses eletrônicas incorporam,
Disfarçam carências e mutilações,
Se vencidas, retiradas ou esquecidas,
A angústia agiganta o medo.
Palmares, 25/07/2019, José Durán y Durán