28 de dezembro de 2013

ANOMIA

Vital na FAMASUL 
Vital Corrêa de Araújo

Se no tempo de Homero, houvesse existido um manual da epopeia, codificando normas e estipendiando regras para feitura normal (e normalizada) de poemas épicos, Homero não (nunca) teria existido como poeta maior. Seria mais uns milhões de poetastros, que por aí pululam, como o fazem hoje. E Ilíada e Odisseia seriam o besteirol de antes de Cristo.
No tempo nosso, em que a poesia tem manual de regras, normas de contagem silábica, dicionários de rima, “regras de arte poética”, para ser poeta há de se rebelar contra essa besteirolada toda, romper cânones e hímens de vedação com o falo do lápis da alma em riste; desprezar o tal do ritmo mecânico silábico e rimado. Deixar a silabada de lado e a rimação sonho e tristonho. Para ser original. Ser poeta, sim.
As regras, a normatização, os manuais de metrificação, as cartilhas e tratados de versificação existem (servem) para impedir a liberdade (como as normas jurídicas).
A universitária Farla Rosendo escreveu (ao que presumo o primeiro poema ou o único absoluto) um poema (que publiquei na Revista PAPELJORNAL nº3), pode-se dizer perfeito, um poema absoluto, somente porque em palestras porque eu disse que o poeta moderno (pode ser qualquer um) nasce a partir de um ritmo de iniciação: queima dos indefectíveis dicionários de rima e tratados de versificação.
De imediato, solta, livre o espírito, sua alma foi à forra, e Farla escreveu um grande pequeno poema, em que cria o sintagma grãos de sol.
É que a regra métrica, a exigência rímica, para forja do ritmo mecânico ou metronomal congela a imaginação, enjaula a criatividade, deleta o espírito e impera o reino quantitativo de estrofação canônica, número de sílabas regulares de versos, coincidências sonoras iguais de sons finais (dos fonemas). O poeta é presidiário do poema.
Poeta não imita nem segue regras que aprisionem o espírito ou que previamente guie o seu poema. Poeta cria, inventa, imagina (inclusive as regras e inovadoras gramáticas). Livremente.

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6 de dezembro de 2013

NÉSTOGAS


O SABOR DA PALAVRA NÉSTOGAS
Márcia Maria da Silva
Pós-graduada em Língua Portuguesa/FAMASUL

                                             
Márcia Maria da Silva
Entende-se por neologismos palavras inventadas, espontaneamente, a partir de outras existentes na língua. Na opinião de José de Alencar: “Criar termos necessários para exprimir os inventos recentes, assimilar-se aqueles que, embora oriundos de línguas diversas, sejam indispensáveis, e, sobretudo explorar as próprias fontes, veios preciosos onde talvez ficaram esquecidas muitas pedras finas, essa é a missão das línguas cultas e seu verdadeiro classicismo."
Atentos a Alencar, podemos dizer que inventar, criar é próprio do artista, logo, o neologismo, já deveria ser conceituado como uma obra de arte. A própria palavra é a forma verbal que, em síntese, é pura literatura e não importa a época e nem o poeta, só a poesia. Como diz Guimarães Rosa "(...) Já outro, contudo, respeitável, é o caso - enfim - de 'hipotrélico', motivo e base desta fábrica diversa, e que vem do bom português. O bom português, homem de bem e muitíssimo inteligente, mas que, quando ou quando, neologizava, segundo suas necessidades íntimas.”
Assim, a palavra, segundo Saussure, não tem sentido, tem emprego. Isso faz “sentido”. A palavra não necessariamente precisa ser escolhida por um gramático e ter seu significado pronto, lapidado. É sublime que o leitor faça dela sua própria interpretação, ora, lendo uns tantos poemas de Admmauro Gommes, deparei-me com uma palavra desconhecida: “néstogas”, e adorei não ter sido apresentada a ela anteriormente, pois acredito que iria quebrar a magia do meu descobrimento. Veja o texto:
“Néstogas:
momentos de êxtase
em transiúnica vida
onde flâmulas cardinais
conjugam o enigma
com flauta e cítara
destilando um mármore audível...

(...)

As néstogas, ou seja,
ogivas de pêssego
(...)


Enfim, néstogas:
o íntimo do átomo.

“Néstogas!” Um dos meus sensores, repentinamente acionou o paladar. E logo me vi saboreando um pouco do néstogas, e parecia-me tão doce, tão puro, que me transportei a um tempo passado onde me deliciei com as melhores coisas da minha vida e foi lá que encontrei as néstogas que se referiam o poema.
Então, me perdi no poema de Admmauro Gommes e me achei nas palavras de Saussure. O poema Néstogas pode ter múltiplas interpretações, como já define o poeta, “momentos de êxtase” “ogivas de pêssego” “o íntimo do átomo...” É essa interpretação subjetiva que nos leva a viajar a lugares memoráveis e nostálgicos. Imagine ser o íntimo da menor partícula! É de uma especialidade sem tamanho, de uma intimidade profunda, de uma cumplicidade única. O fruto adocicado e macio torna-se ainda mais saboroso porque dentro dele tem néstogas e uma explosão de sensações lhe domina, lhe arrebata e transforma sua vontade de ver o mundo, de escutar a mais bela voz, de provar do melhor néctar, de sentir o melhor desejo, de chorar a mais triste lágrima, de extravasar o último riso... Estas sensações incomparáveis só serão vistas sob seu próprio olhar, seu próprio sentir, seu próprio tocar.
É isso que a palavra diante de uma subjetividade faz. Mesmo sem conhecê-la, mas que dependendo do seu emprego, pode-se utilizar em situações diversas e inimagináveis, como “néstogas”. Esta é a verdadeira proposta da Poesia Absoluta.
O que é “néstogas”? Não sei até hoje, mas dela provei.