29 de setembro de 2019

CRIPTOMOEDA ENTRE O SAGRADO E O PROFANO


Admmauro Gommes

Criptomoeda é outro poema necessário de José Durán y Durán. Para entendê-lo, é preciso adotar a teoria da recepção de que o leitor é um segundo escritor. Até porque os primeiros versos só podem fazer nexo com os dois últimos, formando a quadra, com a intencionalidade direcionada pelo leitor: 

CRIPTOMOEDA

“Beijo traiçoeiro, advertência desvirtuada
‘cristo-moeda' por trinta de prata trocada.
Não é de ouro nem de metal
é virtual, volátil, vilã.”


O olhar atento de um diácono, amparado pelo lastro da poesia, encontra aproximação sonora entre “criptomoeda/cristo-moeda.” Esta parece-me ser a gênese de que resultam todas as concepções e comparações que formam o texto em análise.

Percebe-se, de imediato, a denúncia do comércio onde se vende o sacro, e que se tornou rotina, na atualidade. Uma espécie de objeto de troca, tendo o Cristo por cifra e, em nome Dele, tudo se propaga, mas na verdade cultua-se o deus-dinheiro. Até um pedaço do céu, como lote, está à venda por muitas denominações religiosas, no mundo inteiro.

Deste modo, há como traçar um paralelo: moeda vilã – beijo traiçoeiro; venda do que é santo – profanação do sagrado, como se a salvação, pela ótica do falso cristianismo, fosse produto disponível nas vitrines, em promoção. A linguagem literária pode ainda vaticinar uma traição na economia global, quando a nova moeda desnorteia o sistema bancário, pois não se precisa mais de uma agência física, nem de papelada parar assinar contratos. É um ambiente onde tudo acontece de forma virtual. O “beijo” começa a causar desconfiança. O governo chinês saiu na frente, decretando que o uso da criptomoeda é atividade insegura e não corresponde à legislação em vigor no país.Mesmo que a origem dessa sentença nos remeta a Judas, quando vendeu o Mestre por igual quantia, vale também como traição, no negócio da China.

Uma vez que criptônio (elemento químico) não é um metal, assim essa moeda também não é de papel nem de ouro, por isso volátil, como gás, tanto que pode render muito, como levar à falência o investidor, pela volatilidade, como se toda a confiança fosse traída por uma aposta, em bolsa de valores online. Recentemente, ouvimos casos em que muita gente tinha investido alto e perdido o dinheiro nas transações com essas moedas. Isso se apresenta na visão poética em “beijo traiçoeiro.”

É importante frisar também o poder de síntese desse texto e sua larga transição em várias áreas do conhecimento, indo do religioso ao econômico, passando pela ganância social, aos avanços tecnológicos, pelo domínio estético, pela física... ligando a história de traição de um passado remoto, que não se esquece, mas antenado com as tendências do tempo presente.

Por ser sintético, o poema se agiganta, o que me faz lembrar Vital Corrêa de Araújo, ao dizer que um verso vale mais do que uma odisseia, quando escrito por um poeta poeta. E este é o caso. Estamos diante de uma obra exemplar: construção de apenas quatro versos, mas que move saberes extraordinários, investiga e nos assombra colocando em foco uma situação que pode alterar os rumos da economia mundial.

Esse poema reúne tópicos para uma discussão quase sem fim, pois evoca elementos que se conflituam, credibilidade versus incredibilidade, no que diz respeito ao sagrado e ao profano, na sugestão de que são faces da mesma moeda, como querem os vendilhões do templo.

A cristo-moeda subverte a ordem suprema: dá a César o que é de Cristo.

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Tchau, bitcoin? China planeja pôr fim à mineração de criptomoedas. Disponível em: https://br.sputniknews.com/economia/2019041013645993-tchau-bitcoin-china-planeja-por-fim-mineracao-de-criptomoedas/


28 de setembro de 2019

O MEDO DO MEDO: lendo um poema de Durán


Admmauro Gommes

Confesso que me surpreendi ao ler o poema Nomofobia de José Durán y Durán, por sua atualidade e descrição fidedigna de uma geração que vive sob o signo da alienação. Sobre o texto, escrevi para o autor dizendo que ele havia dado um pulo estético incomensurável na sua produção literária. Alguma coisa como a ação de eletrofótons, irradiando novas dimensões na poesia.

Com aguçado olhar, resultante de profícua experiência de vida, o poeta descreve amiúde sintomas patológicos de quem não abre mão de um celular. Acredito que a construção dos versos em tela gerou perplexa angústia, durante o ato criador, principalmente quando se comparam tendências sociais passadas com as de agora. Antigamente (este termo é propositado) era necessário um grupo bem articulado para se criar um herói ou um monstro, condição exigida para que houvesse seguidores ou repulsas. Atualmente se cria um monstro on-line com a maior facilidade. A maioria das crianças, antes de entrar no ensino fundamental, já está apta para essa finalidade. E próxima do abismo. Do naufrágio, pois navega sem rumo.

A elaboração de um monstro, dito de forma figurada, implica em fomentar algo danoso e que não se vislumbra a possibilidade de vencê-lo. Um Frankenstein camuflado, embora cada vez mais seja assustador, indomável. Assim é o uso desenfreado do celular, que assusta até pela possibilidade de, por um breve momento, não se poder utilizá-lo, o que resulta em uma caracterizada fobia. A remota possibilidade de não contar por algum instante com um smartphone provoca extenso pavor em quem não faz nada sem “ele.”

Deste modo, o poeta fotografia o estado atual de quem está preso à informação imediata, sem ao menos checar sua veracidade. Passatempo que consome um dia inteiro, se deixar. O que se percebe, nas entrelinhas, é que essa prisão tem um relacionamento direto com a banalidade e com o fugaz. A nova fobia “invade aos alfas” (eu diria analfas) e chega ao ponto de temer a ausência dos sinais de um wi-fi. Estamos reconhecendo este estágio como doença, por conta do vício que contamina e se espalha, com a difusão dos fake news. Quem usa desse expediente cai nas próprias armadilhas.

Voltando ao poema, em “Celulares são suas celas”, destacamos uma engenhosa aliteração que condensa o pensamento do poeta, pois trata da fobia durante todo o texto sem dela falar explicitamente. Criam-se paredes, celas, jaulas e dentro dessa ilusão ótica se escondem, achando que assim também estão escondidos do público. É como alguém que perde a visão e, no meio da rua, se encontra nu. Pelo fato de ele não estar vendo a sua nudez, julga que as pessoas também não a veem. Seria uma cegueira coletiva?

Com uma força poética que ultrapassa as linhas de uma literatura tradicional, Durán reconhece que os que sofrem de nomofobia “Disfarçam carências e mutilações” como uma forma de se protegerem por trás de algo tão frágil e isso faz com que muita gente que não toma o café da manhã sem antes “comer” o celular, arranje coragem e seja feliz dentro de um falso anonimato, onde tudo pode, ou pelo menos acha que pode. O pseudopoder que se imagina ter com tudo ao alcance dos dedos se confunde, no fim das contas, com o monstro, e as alucinações do próprio medo. Diante de uma compulsão sem limite, essa é uma doença que aos poucos dá sinal de sua existência e culmina dominando o corpo onde habita.

Outro verso magistral: “A angústia a giganta o medo.” Este é um poema de e sobre nosso tempo, que aponta as fraquezas humanas, quando exatamente se pensa que tudo se conquista pelo engodo. E, em vez do sucesso, eis a inevitável angústia, decepção, pois existe uma vida real off-line.

Desfrutamos, nesse poema, de uma visão privilegiada porque o poeta, sendo profundo conhecedor dos sentimentos humanos, nos alerta, ao denunciar esse tipo de fobia. Descreve o estado emocional de uma geração que já nasce padecendo de um medo indescritível. Daí, os estados sentimentais abalados, onde o stress facilmente penetra no vazio da existência, exatamente quando a bateria se descarrega.

Em última apreciação, recomendo que este poema seja lido tanto pelos que estudam a mente humana quanto pelos que buscam analisar o comportamento social coletivo, antes que se aumente o número de zumbis que reproduzem mensagens sem delas saber o que realmente dizem. Aí, finalmente vem a decepção. Nas conhecidas palavras, quem constrói uma casa na areia, terá sempre o medo de que haja um vento muito forte. E este virá, se não controlarmos o uso de um instrumento tão importante para a vida contemporânea, o celular.

Ao término de meu breve comentário, considerei que o poema aludido inscreve o nome Durán no rol dos grandes escritores da poesia absoluta. E afirmo sem medo. Eis o poema (sic):

NOMOFOBIA

Nova fobia invade aos alfas,
Internautas empedernidos,
Viciados em conectividade,
Navegam o mundo na palma da mão.
Celulares são suas celas,
Próteses eletrônicas incorporam,
Disfarçam carências e mutilações,
Se vencidas, retiradas ou esquecidas,
A angústia agiganta o medo.




Palmares, 25/07/2019, José Durán y Durán


22 de setembro de 2019

O NAVIO NEGREIRO DE CASTRO ALVES


FAMASUL - LITERATURA BRASILEIRA II
Nesta unidade, estamos investigando o Romantismo brasileiro. Os estudantes já esboçaram algumas ideias acerca da idealização e evasão românticas. Agora é a vez de tecerem comentários sobre O Navio Negreiro (Castro Alves). Esse poema, pertencente a um dos autores mais conhecidos e prestigiados da literatura brasileira, foi escrito em 1868, em São Paulo, e tem por subtítulo Tragédia no Mar.

Para aquecer a discussão e trocar algumas ideias antes da avaliação, sugiro que respondam as seguintes questões:

1. Se fôssemos escrever um parágrafo (média 5 linhas) que sintetizasse o poema Navio Negreiro, como seria?

2. Explique os versos:
a) “Era um sonho dantesco” (IV parte).
b) “Ontem plena liberdade/... Hoje cúm’lo de maldade” (V parte).

3. Contextualize os dois últimos versos do poema.

Sugestão: fonte de pesquisa

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