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Hugo Allan |
por Admmauro Gommes
Com a tecnologia é assim: se você não se cuidar, em
pouco tempo, pode ficar desalfabetizado. Ouvir uma música, por exemplo,
atualmente, exige um conhecimento tão sofisticado e instantâneo que quase não
se sente o prazer, o sabor, na apreciação musical.
O meu neto, de cinco anos de idade, encontra com
facilidade, no celular, o ícone que tem um microfone, aperta e diz: música. Aí
um monte de músicas do mundo inteiro aparece na tela. Ele escolhe e passa a
ouvir trezentas composições no mesmo instante.
No meu tempo, era uma aventura. Para escutar uma
canção de Maria Bethânia, se procurava em uma coleção de discos, dezenas,
centenas, arrumados na estante. Buscava-se uma especial, com muito zelo, como
quem está folheando preciosidades. Quando encontrava o disco, pegava na mão,
tirava-o da capa, ainda protegido por um fino plástico, para evitar arranhões.
Com uma flanela, limpava-se a face do long-play, do LP.
Abrindo a tampa do passadisco, com o dedo
indicador, puxava-se para direita o braço da radiola. Neste, havia uma agulha
que apontava para o início de cada faixa de música. Com muito cuidado, se
colocava o disco no centro do aparelho de som e lá havia um pino. Era preciso
aprumar o buraco do disco e acertar exatamente naquele pino. Ligado o som, a
parte que ficava por baixo do disco começava a girar. Nesse momento, era
necessário ajustar a qualidade e o volume. A tampa da radiola era fechada,
seguindo verdadeiro ritual para ouvir uma música.
Com a sutileza de um monge, corríamos para o
sofá, onde ficávamos atentos a cada palavra cantada. Enquanto o disco rodava,
íamos girando e revirando a capa para completar o deleite. Ali, tínhamos
conhecimento dos compositores, quando foi lançado o disco e até mesmo o nome da
gravadora.
Eu conhecia todas as músicas de Roberto Carlos. Uma
por uma. Quem fez e quem não fez. Ligava a canção à fotografia da capa do
álbum, circunstâncias de quando foi gravado, enquadrava o cantor no período
histórico da MPB, e tecia comentários sobre shows, recordes de vendas e prêmios
recebidos. Ufa!
Eu sabia muito. Eu sabia tudo. Hoje, eu não sei
mais nada. Tenho que aprender tudo de novo, com meu neto.