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Flores do jardim de Zoraia
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Admmauro Gommes
Poeta e professor de
literatura
admmaurogommes@hotmail.com
Conversando com Zoraia, uma
‘portuguesa’ natural de Xexéu, mas que reside na Ilha da Madeira, descobri
outras zoraias que ela esconde. Iniciamos o bate-papo porque me disse que
estava sem tempo para terminar de escrever um livro. Desculpou-se afirmando:
“Nos dias de pouco movimento dedico-me às flores de meu jardim.” Durante a
conversa, soube que desenvolveu outro talento para fazer gravuras em azulejos e
tinha sido convidada para expor suas espécies raras. Suas orquídeas vanda e tutti
negra, petúnia, catylas, proteias, sapatinhos da Índia, cactos, urze... Uns
amores de plantas! Ou melhor, até amores-perfeitos. Então repliquei que isso
também é poesia e sua produção valia mais que um livro publicado, pois se
reeditava diariamente.
O modo como ela faz e com o carinho que
faz é o que conta, porque todo artifício que manuseia o belo, dialoga com o
poético. Isso, por si, demonstra o grau de poeticidade que aflora de uma
cultivadora de flores ou de uma esteticista que vê no toque facial traços de
rara beleza. É que a poesia está em tudo. Em cada pedaço de vida, em cada
olhar, em cada esperança ou desesperança. E porque é arte, é parte integrante
do cotidiano. Embora dito isto, faço breve distinção entre poetas que escrevem
e poetas que cultivam a poesia no seu íntimo mas não conseguem externar o
sentimento através das palavras. Esses escolhem pétalas para escrever auroras.
Aqueles, palavras, pois necessitam desses instrumentos linguísticos e do
domínio estético.
Mesmo fazendo estas considerações,
reafirmamos que a poesia está em qualquer lugar: nos chinelos, como disse
Manuel Bandeira; ou no esgoto, para usar a expressão de Manoel de Barros. Mas
também pode estar no jardim. O olhar de quem observa é que dá a carga poética a
qualquer objeto, como o carinho com que Zoraia cuida das orquídeas.
Observando as flores que ela me enviou
pelo Whatsapp, entendo que são verdadeiros mimos e que ninguém precisa inventar
poesia; ela já existe nos seres como imanência. Lembrando Mário Quintana, não
se deve correr atrás das borboletas; basta cuidar do jardim que elas vêm ao
nosso encontro.
Por ser essência, a poesia nos procura,
nos circunda e nos absorve, pois somos reveladores dessa cosmicidade
intransponível, indizível, indecifrável, e necessária para que a vida tenha
sentido. A poesia está ligada à mágica da existência e ao deslumbramento
que nos inquieta diante das coisas incompreensíveis. A sensibilidade é que faz
o poeta, este cultivador de flores ou de essências.