O QUE PENSAS E SENTES, ISSO AINDA NÃO É POESIA
Admmauro
Gommes
ANTES
que alguém pense que estou inventando moda, confesso que a frase que intitula
este comentário, não é minha. É de Carlos Drummond de Andrade, retirada de um
poema (Procura da Poesia), publicado em 1945. Depois que o escritor mineiro
adverte sobre as armadilhas que envolvem a criação poética, indicando que não
se deve fazer versos sobre acontecimentos, definitivamente, aponta o caminho:
“Penetra surdamente no reino das palavras.” De outro modo, é o mesmo que disse
Manoel de Barros: “a radiância de um verso (...) vem das radiâncias letrais.”
Ou seja, do confronto da palavra pela palavra com a palavra. Assim, “o que
pensas e sentes, isso ainda não é poesia.”
Deste
modo, não há garantia em escrever um poema e que ele obrigatoriamente tenha
poesia. Para Octávio Paz, poeta e crítico mexicano “nem todo poema - ou, para
sermos exatos, nem toda obra construída sob as leis da métrica - contém poesia.”
E fuzila Paz: “Há máquinas de rimar, mas não de poetizar (O arco e a lira). Daí,
surge a diferença entre quem tem sentimento e “coloca” as ideias no papel e um
artista que, valendo-se da linguagem figurada, cria situações inusitadas com
uma carga poética explícita, para trazermos à luz o pensamento de Ezra Pound, que
“grande literatura é a palavra carregada de significados até o último grau
possível.” Mais do que isso, só em Vital Corrêa de Araújo.
A
poesia, para Vital, insurge das “radiâncias letrais” e da loucura das palavras.
Enigmática por natureza, ela tem em sua essência o que somente se adentra pelos
sentidos, em uma completa sinestesia. As imagens inventadas asseguram ao
criador a autenticidade de poetar. É o que se vê nos versos vitalinos: “Clemente
elemento/pássaro consome/ água ilude/do mamilo da nuvem/seios pesados/latejam
com relâmpagos (do livro Borges e Eugénio, p. 82). As radiâncias inusitadas
podem ser conferidas pelo título deste poema “Elemento tempo,” apenas nas
expressões pássaro/nuvem/relâmpagos como coisas que passam, breve referência
temporal e nada mais. Sugerir é mais importante ao poeta que tudo dizer. Quem
tudo explica, finda a tarefa e o artista não pretende encerrar nenhum tema, mas
antes provocar uma eterna discussão acerca da arte e do enigma. Portanto, para
não nos afastarmos muito de Drummond, quando reconhece que “Cada (palavra) tem
mil faces secretas sob a face neutra” não vamos tentar compreender as mil faces
de uma palavra. Aliás, para um bom entendedor... Ora, isso não se aplica à
poesia.
Poesia
é pantera indomável, fluxo e refluxo do ser. Algo intangível que somente pela
percepção se destaca. Jamais poesia será presa em uma gaiola, como um pássaro
aprisionado dentro de um soneto.
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