15 de março de 2015

MARGARINA, HAICAI E POESIA ABSOLUTA


DA COMPOSIÇÃO DA MARGARINA AO CONSUMO DA POESIA
           Por Cleber Teixeira

Cleber Teixeira
Numa sala de aula, tirar texto de aluno é como tirar leite de pedras. É?

Há alguns anos, conheci o professor Admmauro Gommes, quando estudava Letras na FAMASUL, em Palmares, PE. Sujeito tranquilo de prosa articulada e poesia elegante, ironia cáustica e postura altruísta. Com ele comecei e desvendar literatura e perceber que há muito texto dentro da gente implorando pra sair.

Seu método é simples: traz-se um mito à tona, discute-se horizontalmente sobre ele, desmitifica-o e comprova-se a tese. Como resultado dessa experiência, tem-se uma chuva de comentários, ensaios, artigos e poemas vindos das mãos tímidas(?) de seus pupilos surpresos de sua própria pena.

Simples não quer dizer fácil. Pra instigar suas turmas, Admmauro se utiliza de criatividade e conhecimento invejáveis, além da elaboração prévia de temas e propostas de atividades que são ministradas com critérios científicos, porém numa atmosfera lúdica que me lembra minha professorinha do primário ensinando a plantar um grão de feijão numa bola de algodão ensopado. Aí é batata!

E assim como a literatura que ele produz, seu método não se restringe a paredes. Dando continuidade ao seu trabalho em sala de aula, o professor Admmauro mantém um blog sobre literatura, onde divulga sua obra e estende seus projetos a um público mais amplo, acadêmico ou não, alcançando outros leitores, descobrindo outros escritores.

Foi lá que li um artigo sobre um de seus debates e a proposta insólita de extrair poesia dum pote de margarina. Que sã criatura encontraria “inspiração” na frase “contém aromatizante sintético idêntico ao natural”? Admmauro. E não só ele, como sua teoria veio novamente comprovar. A partir de seu comando, como num número de mágica, a frase vira mote, tema, verso, inspiração pra tanto texto que começa a brotar de lugares diferentes, de alunos de outros tempos, de colegas professores, de poetas renomados... todos igualmente encantados pela magia deste sujeito. Não fiquei imune.

Com seus experimentos, Admmauro Gommes nos prova o que disse Manoel de Barros: “o que é bom para o lixo é bom para a poesia”, e assim nos convida a tirar leite das pedras, encontrar substâncias escondidas na margarina, navegar pelos sete mares da maionese e fazer sopa de letrinhas das nossas entranhas.

Abaixo, o poema que escrevi sobre a proposta de Admmauro Gommes:
  

SONHO DE MARGARINA
        Cleber Teixeira

Amamos o sonho, pois a vida é ventura
e é mesmo no universo onírico
que construímos a mais doce quimera.
É pra lá que evadimos
quando o mundo não tem mais jeito.

É de desejo que somos feitos
e assim perseguimos a cura da angústia,
a bonança e a fortuna,
à revelia da fúria dos anos.

Amamos o devaneio e o delírio,
já que a lucidez nos agride os olhos
e a mímesis humana apenas reafirma o caos,
o pesadelo recorrente
do qual não conseguimos despertar.

Amamos o sonho
pela sua cadência fluida,
pela sua melodia harmoniosa,
pela sua massa pastosa,
que contém aromatizante
sintético idêntico ao natural.



Seis HAICAIS

1. PARABÉNS! (Osman Holanda)

Meu aniversário:
risos, gargalhadas
e ladrões de uisque.



2. JUROS (Admmauro Gommes)

Amor de banqueiro:
Juro por tudo.
Tudo é dinheiro.



3. CORREDOR (Sylvia Beltrão)

No corredor da vida
corre dor letal
corre dor no corredor.



4. GRITO INCONSCIENTE (Edson Marques)

O subconsciente
ainda sente
o que alma não fala.



5. CONTROVÉRSIAS (Marilândia Silva Brasileiro)

Na vida da gente
há muitas controvérsias
em nosso inconsciente.




6. UMA CANÇÃO (Neilton Farias)

Começa nos dedos
escorre nas veias
até o coração.




DA ESSÊNCIA POÉTICA: 
A POESIA ABSOLUTA

1. POEMA NOVO
        Cleber Teixeira

Vinha sentindo ultimamente uns espasmos
um enjoo a tudo, que me dava engulhos matinais
e minhas cólicas verbais
subitamente cessaram de uns tempos pra cá.
Dei de me tocar e tava inchado.
Tinha sido fecundado e nem dei por mim
agora eu tava grávido e meu ventre já crescia
devia ter algo pra nascer lá dentro
que não me respondia quando eu lhe chamava.
Mas no fundo ele me machucava
parecia que sabia chutar meus peitos
me fazia morder a língua
e beliscava minhas tripas-coração.
E num dado momento ele me reclamou a luz
e eis que sucumbiu à vida abandonando meu útero
um poema novo
filho sem mãe, sem registro, sem berço
fruto do namoro do ócio e da contemplação
que me rasgou as entranhas
e saiu gritando, esperneando.
Não sei se é menino ou se menina
por isso não lhe dou um nome cristão.
Quando ele crescer vai ser igual a mim
mas por enquanto
está sujo de sangue e não sabe falar
só sabe chorar
só chorar
chorar...


                                  
2. A PRIMAVERA NÃO DESISTE
         Vital Corrêa de Araújo

A primavera não desiste
de ser assim fecunda e clara
já não é estação nenhuma
é uma filosofia do tempo.
                             
Flutuo como um perfume cego
que treva do inodoro abata
ou hoste rósea do cheiro eleve
às narinas óbvias de Deus.

Hínico e pétreo ouço
voz do sino empíreo náufrago alar-me
(sem alarde, alarido, pêsames, luto a latir)
em haustos leves de casto bronze.

A seda da meditação me enleva
eleva-me o fervor mental
(e uníssono estalo deflagra).

O azul nasceu numa paisagem chinesa
(gravura tantra, arabesco ninja?)
já velada pelas incertezas do céu (velozes).
E pelo imo de Picasso em sua fase sóbria
quandos fecundas cores, traços, cubos
súmulas eram varridas da tela
para a alma.

(A cada torso da incerteza
começa a construção da página).


                                  
3. O BALÉ DA POETISA
             Manuela Lira

A poetisa se constrói
nas palavras de suas pálpebras
nos seus lábios irizados
nos seus seios ela se despe
no anseio de uma rima
ela fala, canta, gira, baila.

A rima soa
o eco ecoa
a luz dilui
o vento sopra.

Porta entreaberta
parece insônia
ela é incerta.

Devaneio com Mozart
a valsa
o som
estabiliza.

Ah... Linda canção
Ah... Mais um verso cantado
Ah... Dúvida insana
ela não sabe se escreve
ou se dança.



4. FRONTISPÍCIOS
              Maristela Freitas


Me seguro na linha da vida
No olhar do mar, posso me afogar
Se eu não tenho mais nada
quando tiro os olhos de você.
A minha mente quando não pensa
 em você, os meus lábios não existem.
Descendo por esta estrada prata,
para baixo, quero fugir desse mundo
que há dentro de mim.
Neste gelo que queima os meus pés,
peço-lhes que não falhem agora.
Porque preciso continuar
nesse negro olhar
o toque da face.
A vida me força
a viver em frontispícios .



5. ANTES QUE TUDO ACABE
           Admmauro Gommes

No fim do túnel
tem sempre uma luz
(nem sempre).
Talvez morta estrela
que não mais projeta
ondas de esperança.
O amanhã corre o risco de acontecer
em dias noturnos
caminho torto ao sabor do vento
onde o sal das horas
aumenta a pressão das veias
do tempo.

O final de tudo
pode ser no meio.
- Quem sabe?

Mas é preciso caminhar
antes que o túnel acabe.




6. ANTES DA ELEVAÇÃO, A LIQUEFAÇÃO DE SÓLIDOS
               Jefferson Evânio

Espíritos que derrotam cristais de aço
o fazem ao se afogar primeiro
morrem de forma perpétua
antes da transcendência aos ventos
abdicam o dado em troca
do mais casto elemento: a complexidade.
Só o derretimento de geleiras permite
a elevação dos gases psicológicos
só eleva o espírito quem se perde
ao submergir-se de profundo caos
nada observável no Ente é palpável
verdadeiro ou digno de fé.
A ontologia das coisas
é caminho único a mentes elevadas
de resto a humanidade está cheia.
Seguir Spinoza e trancar a porta da caverna
categorias não são o bastante.
O a-sentido da a-potência silenciado
à força por Titãs
líquido escorre pelos cantos
liberta a alma de seres doentes
eleva-se enfim aos lugares desconhecidos
através de poesias quânticas e indecifráveis.
Nenhum edifício suporta
terremotos poéticos-filosóficos.
Magma derrete fogueiras seculares e duradouras
romantismo cura dores ao causar outras
o vulcão poético destrói sentidos
estruturas desabam enquanto goza
o poeta dentro e fora do tempo.
Eleva-te às incógnitas Vitais
neurônios multiplicam-se
ao receber energia nova.


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