DA COMPOSIÇÃO DA MARGARINA AO CONSUMO DA POESIA
Por Cleber Teixeira
Há
alguns anos, conheci o professor Admmauro Gommes, quando estudava Letras na
FAMASUL, em Palmares, PE. Sujeito tranquilo de prosa articulada e poesia
elegante, ironia cáustica e postura altruísta. Com ele comecei e desvendar
literatura e perceber que há muito texto dentro da gente implorando pra sair.
Seu
método é simples: traz-se um mito à tona, discute-se horizontalmente sobre ele,
desmitifica-o e comprova-se a tese. Como resultado dessa experiência, tem-se
uma chuva de comentários, ensaios, artigos e poemas vindos das mãos tímidas(?)
de seus pupilos surpresos de sua própria pena.
Simples
não quer dizer fácil. Pra instigar suas turmas, Admmauro se utiliza de
criatividade e conhecimento invejáveis, além da elaboração prévia de temas e
propostas de atividades que são ministradas com critérios científicos, porém
numa atmosfera lúdica que me lembra minha professorinha do primário ensinando a
plantar um grão de feijão numa bola de algodão ensopado. Aí é batata!
E assim
como a literatura que ele produz, seu método não se restringe a paredes. Dando
continuidade ao seu trabalho em sala de aula, o professor Admmauro mantém um
blog sobre literatura, onde divulga sua obra e estende seus projetos a um
público mais amplo, acadêmico ou não, alcançando outros leitores, descobrindo
outros escritores.
Foi lá
que li um artigo sobre um de seus debates e a proposta insólita de extrair
poesia dum pote de margarina. Que sã criatura encontraria “inspiração” na frase
“contém aromatizante sintético idêntico ao natural”? Admmauro. E não só ele,
como sua teoria veio novamente comprovar. A partir de seu comando, como num
número de mágica, a frase vira mote, tema, verso, inspiração pra tanto texto
que começa a brotar de lugares diferentes, de alunos de outros tempos, de
colegas professores, de poetas renomados... todos igualmente encantados pela
magia deste sujeito. Não fiquei imune.
Com
seus experimentos, Admmauro Gommes nos prova o que disse Manoel de Barros: “o
que é bom para o lixo é bom para a poesia”, e assim nos convida a tirar leite
das pedras, encontrar substâncias escondidas na margarina, navegar pelos sete
mares da maionese e fazer sopa de letrinhas das nossas entranhas.
Abaixo, o poema que escrevi
sobre a proposta de Admmauro Gommes:
SONHO DE MARGARINA
Cleber Teixeira
Cleber Teixeira
Amamos o sonho, pois a vida é
ventura
e é mesmo no universo onírico
que construímos a mais doce quimera.
É pra lá que evadimos
que construímos a mais doce quimera.
É pra lá que evadimos
quando o
mundo não tem mais jeito.
É de desejo que somos feitos
e assim perseguimos a cura da angústia,
a bonança e a fortuna,
à revelia da fúria dos anos.
Amamos o devaneio e o delírio,
já que a lucidez nos agride os olhos
e a mímesis humana apenas reafirma o caos,
o pesadelo recorrente
É de desejo que somos feitos
e assim perseguimos a cura da angústia,
a bonança e a fortuna,
à revelia da fúria dos anos.
Amamos o devaneio e o delírio,
já que a lucidez nos agride os olhos
e a mímesis humana apenas reafirma o caos,
o pesadelo recorrente
do qual
não conseguimos despertar.
Amamos o sonho
pela sua cadência fluida,
pela sua melodia harmoniosa,
pela sua massa pastosa,
que contém aromatizante
Amamos o sonho
pela sua cadência fluida,
pela sua melodia harmoniosa,
pela sua massa pastosa,
que contém aromatizante
sintético
idêntico ao natural.
Este e
outros textos de Cleber Teixeira estão disponíveis em:
Seis HAICAIS
1. PARABÉNS! (Osman Holanda)
Meu aniversário:
risos,
gargalhadas
e ladrões de
uisque.
2. JUROS (Admmauro Gommes)
Amor de
banqueiro:
Juro por tudo.
Tudo é
dinheiro.
3. CORREDOR (Sylvia Beltrão)
No corredor da vida
corre dor letal
corre dor no corredor.
No corredor da vida
corre dor letal
corre dor no corredor.
4. GRITO INCONSCIENTE (Edson Marques)
O subconsciente
ainda sente
o que alma não fala.
5. CONTROVÉRSIAS (Marilândia Silva Brasileiro)
Na vida da gente
há muitas controvérsias
em nosso inconsciente.
6. UMA CANÇÃO (Neilton Farias)
Começa nos dedos
escorre nas veias
DA ESSÊNCIA POÉTICA:
A POESIA ABSOLUTA
1. POEMA NOVO
Cleber
Teixeira
Vinha sentindo ultimamente uns espasmos
um enjoo a tudo, que me dava engulhos matinais
e minhas cólicas verbais
subitamente cessaram de uns tempos pra cá.
Dei de me tocar e tava inchado.
Tinha sido fecundado e nem dei por mim
agora eu tava grávido e meu ventre já crescia
devia ter algo pra nascer lá dentro
que não me respondia quando eu lhe chamava.
Mas no fundo ele me machucava
parecia que sabia chutar meus peitos
me fazia morder a língua
e beliscava minhas tripas-coração.
E num dado momento ele me reclamou a luz
e eis que sucumbiu à vida abandonando meu útero
um poema novo
filho sem mãe, sem registro, sem berço
fruto do namoro do ócio e da contemplação
que me rasgou as entranhas
e saiu gritando, esperneando.
Não sei se é menino ou se menina
por isso não lhe dou um nome cristão.
Quando ele crescer vai ser igual a mim
mas por enquanto
está sujo de sangue e não sabe falar
só sabe chorar
só chorar
chorar...
2. A PRIMAVERA NÃO DESISTE
Vital Corrêa de Araújo
A primavera não
desiste
de ser assim fecunda e
clara
já não é estação
nenhuma
é uma filosofia do
tempo.
Flutuo como um perfume
cego
que treva do inodoro
abata
ou hoste rósea do
cheiro eleve
às narinas óbvias de
Deus.
Hínico e pétreo ouço
voz do sino empíreo
náufrago alar-me
(sem alarde, alarido,
pêsames, luto a latir)
em haustos leves de
casto bronze.
A seda da meditação me
enleva
eleva-me o fervor
mental
(e uníssono estalo
deflagra).
O azul nasceu numa
paisagem chinesa
(gravura tantra,
arabesco ninja?)
já velada pelas
incertezas do céu (velozes).
E pelo imo de Picasso
em sua fase sóbria
quandos fecundas
cores, traços, cubos
súmulas eram varridas
da tela
para a alma.
(A cada torso da
incerteza
começa a construção da
página).
3. O BALÉ DA POETISA
Manuela Lira
A poetisa se constrói
nas palavras de suas
pálpebras
nos seus lábios
irizados
nos seus seios ela se
despe
no anseio de uma rima
ela fala, canta, gira,
baila.
A rima soa
o eco ecoa
a luz dilui
o vento sopra.
Porta entreaberta
parece insônia
ela é incerta.
Devaneio com Mozart
a valsa
o som
estabiliza.
Ah... Linda canção
Ah... Mais um verso
cantado
Ah... Dúvida insana
ela não sabe se
escreve
ou se dança.
4. FRONTISPÍCIOS
Maristela Freitas
Me seguro na linha da
vida
No olhar do mar, posso
me afogar
Se eu não tenho mais
nada
quando tiro os olhos
de você.
A minha mente quando
não pensa
em você, os meus
lábios não existem.
Descendo por esta
estrada prata,
para baixo, quero
fugir desse mundo
que há dentro de mim.
Neste gelo que queima
os meus pés,
peço-lhes que não
falhem agora.
Porque preciso
continuar
nesse negro olhar
o toque da face.
A vida me força
a viver em
frontispícios .
5. ANTES QUE TUDO ACABE
Admmauro Gommes
No fim do túnel
No fim do túnel
tem sempre uma luz
(nem sempre).
Talvez morta estrela
que não mais projeta
ondas de esperança.
O amanhã corre o risco
de acontecer
em dias noturnos
caminho torto ao sabor
do vento
onde o sal das horas
aumenta a pressão das
veias
do tempo.
O final de tudo
pode ser no meio.
- Quem sabe?
Mas é preciso caminhar
antes que o túnel acabe.
6. ANTES DA ELEVAÇÃO, A LIQUEFAÇÃO DE SÓLIDOS
Jefferson Evânio
Espíritos que derrotam cristais de aço
o fazem ao se afogar primeiro
morrem de forma perpétua
morrem de forma perpétua
antes da transcendência aos ventos
abdicam o dado em troca
abdicam o dado em troca
do mais casto elemento: a complexidade.
Só o derretimento de geleiras permite
a elevação dos gases psicológicos
só eleva o espírito quem se perde
só eleva o espírito quem se perde
ao submergir-se de profundo caos
nada observável no Ente é palpável
nada observável no Ente é palpável
verdadeiro ou digno de fé.
A ontologia das coisas
é caminho único a mentes elevadas
de resto a humanidade está cheia.
Seguir Spinoza e trancar a porta da caverna
Seguir Spinoza e trancar a porta da caverna
categorias não são o bastante.
O a-sentido da a-potência silenciado
O a-sentido da a-potência silenciado
à força por Titãs
líquido escorre pelos cantos
liberta a alma de seres doentes
eleva-se enfim aos lugares desconhecidos
através de poesias quânticas e indecifráveis.
Nenhum edifício suporta
terremotos poéticos-filosóficos.
Magma derrete fogueiras seculares e duradouras
romantismo cura dores ao causar outras
o vulcão poético destrói sentidos
estruturas desabam enquanto goza
o poeta dentro e fora do tempo.
Eleva-te às incógnitas Vitais
neurônios multiplicam-se
ao receber energia nova.
ao receber energia nova.
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