28 de setembro de 2019

O MEDO DO MEDO: lendo um poema de Durán


Admmauro Gommes

Confesso que me surpreendi ao ler o poema Nomofobia de José Durán y Durán, por sua atualidade e descrição fidedigna de uma geração que vive sob o signo da alienação. Sobre o texto, escrevi para o autor dizendo que ele havia dado um pulo estético incomensurável na sua produção literária. Alguma coisa como a ação de eletrofótons, irradiando novas dimensões na poesia.

Com aguçado olhar, resultante de profícua experiência de vida, o poeta descreve amiúde sintomas patológicos de quem não abre mão de um celular. Acredito que a construção dos versos em tela gerou perplexa angústia, durante o ato criador, principalmente quando se comparam tendências sociais passadas com as de agora. Antigamente (este termo é propositado) era necessário um grupo bem articulado para se criar um herói ou um monstro, condição exigida para que houvesse seguidores ou repulsas. Atualmente se cria um monstro on-line com a maior facilidade. A maioria das crianças, antes de entrar no ensino fundamental, já está apta para essa finalidade. E próxima do abismo. Do naufrágio, pois navega sem rumo.

A elaboração de um monstro, dito de forma figurada, implica em fomentar algo danoso e que não se vislumbra a possibilidade de vencê-lo. Um Frankenstein camuflado, embora cada vez mais seja assustador, indomável. Assim é o uso desenfreado do celular, que assusta até pela possibilidade de, por um breve momento, não se poder utilizá-lo, o que resulta em uma caracterizada fobia. A remota possibilidade de não contar por algum instante com um smartphone provoca extenso pavor em quem não faz nada sem “ele.”

Deste modo, o poeta fotografia o estado atual de quem está preso à informação imediata, sem ao menos checar sua veracidade. Passatempo que consome um dia inteiro, se deixar. O que se percebe, nas entrelinhas, é que essa prisão tem um relacionamento direto com a banalidade e com o fugaz. A nova fobia “invade aos alfas” (eu diria analfas) e chega ao ponto de temer a ausência dos sinais de um wi-fi. Estamos reconhecendo este estágio como doença, por conta do vício que contamina e se espalha, com a difusão dos fake news. Quem usa desse expediente cai nas próprias armadilhas.

Voltando ao poema, em “Celulares são suas celas”, destacamos uma engenhosa aliteração que condensa o pensamento do poeta, pois trata da fobia durante todo o texto sem dela falar explicitamente. Criam-se paredes, celas, jaulas e dentro dessa ilusão ótica se escondem, achando que assim também estão escondidos do público. É como alguém que perde a visão e, no meio da rua, se encontra nu. Pelo fato de ele não estar vendo a sua nudez, julga que as pessoas também não a veem. Seria uma cegueira coletiva?

Com uma força poética que ultrapassa as linhas de uma literatura tradicional, Durán reconhece que os que sofrem de nomofobia “Disfarçam carências e mutilações” como uma forma de se protegerem por trás de algo tão frágil e isso faz com que muita gente que não toma o café da manhã sem antes “comer” o celular, arranje coragem e seja feliz dentro de um falso anonimato, onde tudo pode, ou pelo menos acha que pode. O pseudopoder que se imagina ter com tudo ao alcance dos dedos se confunde, no fim das contas, com o monstro, e as alucinações do próprio medo. Diante de uma compulsão sem limite, essa é uma doença que aos poucos dá sinal de sua existência e culmina dominando o corpo onde habita.

Outro verso magistral: “A angústia a giganta o medo.” Este é um poema de e sobre nosso tempo, que aponta as fraquezas humanas, quando exatamente se pensa que tudo se conquista pelo engodo. E, em vez do sucesso, eis a inevitável angústia, decepção, pois existe uma vida real off-line.

Desfrutamos, nesse poema, de uma visão privilegiada porque o poeta, sendo profundo conhecedor dos sentimentos humanos, nos alerta, ao denunciar esse tipo de fobia. Descreve o estado emocional de uma geração que já nasce padecendo de um medo indescritível. Daí, os estados sentimentais abalados, onde o stress facilmente penetra no vazio da existência, exatamente quando a bateria se descarrega.

Em última apreciação, recomendo que este poema seja lido tanto pelos que estudam a mente humana quanto pelos que buscam analisar o comportamento social coletivo, antes que se aumente o número de zumbis que reproduzem mensagens sem delas saber o que realmente dizem. Aí, finalmente vem a decepção. Nas conhecidas palavras, quem constrói uma casa na areia, terá sempre o medo de que haja um vento muito forte. E este virá, se não controlarmos o uso de um instrumento tão importante para a vida contemporânea, o celular.

Ao término de meu breve comentário, considerei que o poema aludido inscreve o nome Durán no rol dos grandes escritores da poesia absoluta. E afirmo sem medo. Eis o poema (sic):

NOMOFOBIA

Nova fobia invade aos alfas,
Internautas empedernidos,
Viciados em conectividade,
Navegam o mundo na palma da mão.
Celulares são suas celas,
Próteses eletrônicas incorporam,
Disfarçam carências e mutilações,
Se vencidas, retiradas ou esquecidas,
A angústia agiganta o medo.




Palmares, 25/07/2019, José Durán y Durán


5 comentários:

  1. Infelizmente vem crescendo de forma assustadora a quantidade de pessoas que tem se tornado compulsivas pelo usou desenfreado do celular, que vivem demostrando através de suas redes sociais uma vida de aparências, quando na verdade vivem cheias de carências e mutilações.

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  2. Uma realidade dessa geração que antes de descobrir a vida lhes fora apresentado o celular!

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  3. Uma verdadeira realidade,fácil de entrar e difícil de sair.

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  4. Lucicleide Maria da Silva floro 6 período de Letras 29 setembro de 2019 às 18:30

    Achei esplêndido e digno de aplausos o olhar nítido e esclarecedor da interpretação que o mestre escritor professor Ademauro Gomes fez baseado dentro do contexto do poema de Duran que nos leva refletir sobre o uso enusitado do celular que nos dias de hoje diríamos "um fenômeno
    indestrutível nas mentes humanas', realmente malefícios do uso constante do uso excessivo de celulares, sabemos que as pessoas estão mais destantes do que próximas com o celular na mão, é isso está gerando uma mudança no dia a dia das pessoas e nas relações.
    Ouvi uma frase que me fez repensar meu uso constante do celular!!!
    "Celular aproxima quem está destante e afasta quem está próximo"

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  5. São as velas cibernéticas que aprisionam à evolução das coisas lá fora. Aliás, não há lá fora está tudo dentro. Vício ou necessidade? Uma coisa é, bem certa, ou está-se conectado ou não acompanhará o ritmo frenético dos acontecimentos e informações que chegam em tempo preciso ou ultra, aos alfas ou analfas.É o começo do fim ou é o fim de tudo que era antes. Agora, cada vez mais viltual e o afunilamento é inevitável à cela veloz das redes que, incurtam a distância à inexistência da saudade e a desumanização do abraço. Profético Durán. Abraços meu poeta parceiro e mestre, Admmauro!

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