19 de março de 2015

FEELING POÉTICO

 Por Vital Correia de Araújo
        
Abaporu (pintura a óleo de Tarsila do Amaral)
        O professor de teoria literária da FAMASUL, Palmares, Admmauro Gommes, eu o tenho como um homem cortês, inteligente, cultivador, religioso e magnífico poeta. Nos últimos dois anos, tem desenvolvido um trabalho espetacular pela introdução de um novo conceito ou renovação conceitual de poesia, à frente do movimento literário Poesia Absoluta. Tem produzido Admmauro Gommes poemas e crítica sobre o que eu nomino de poesia remoderna ou neoposmoderna.

         Ele tem liderado a batalha vital pela dessentimentalização da poesia, cuja frente principal é a tal de inspiração.
         Recentemente, ele levou à classe uma lata de papel de margarina e incentivou os alunos a se inspirarem nela e produzir poemas durante a aula. O resultado foi surpreendente.
         Cerca de 15 poemas, feitos ex-abrupto de bom nível e fiéis à temática inusitada. Algo surpreendente que degrada o elemento inspiração, tão valorizada por poetas relativos.
         No outro lado da questão “romântica” que induz o poetar, está o sentimento. Hoje, é unanimidade na FAMASUL (Cícero Felipe, Sylvia Beltrão, Ricardo Guerra, Wilson Santos (ainda não), e o próprio AG) que poeta melhor é o de alma seca.
         Convenho, no entanto, que não se pode prescindir da sensibilidade que é o sentimento, em nenhum ato ou fato da vida.
         No entanto, a questão é a fragilidade ou pejoração de que se acoimam os usos do sentimento na poesia.
         Daí, proponho o termo feeling poético, expressão que supera o conceito tão abusado de sentimento, no Brasil.
         Poesia, hoje, não pode ter a haver com razão, pensamento, sentimento. Assim consideradas, estas instâncias reduzem-se, na poética, a domínios do ego, portanto monopólios egoicos, encampação egoísta do resultado ou produção do trabalho poético. E despreza a ação vital do instinto inconsciente como instância criadora. A razão (prática) apela ao sentimento, mobiliza-o e este aparece como condição do humano. O que, além de não ser verdadeiro, não é nada poético.
         O poema não é fruto de algo racional ou sentimental (em conjunto ou não) porém é uma insight do feeling.
         Não o gera (ao poema) hábito ou crença, não é saber ou credo (automática inspiração, dom divo, posse romântica, expressão do coração); não é resquício de uma devoção religiosa, algo que veio desde as infâncias, possessão de algum deus lírico, determinação familiar, dons de genes, nada disso. Poesia é cognição fruída de fonte ídica. Pecado novo, pranto dos olhos, pálpebras congeladas, pestanas árduas. Discurso do inconsciente. Encaixe na episteme da época.
         É qualidade do poema parecer esotérico ante o senso comum... e este é ignaro.
         Episteme da época congloba uma atitude em que o saber se eleva e cria uma cognição superior. Sabedoria interior. Desejo e gozo líricos.
         Em poesia absoluta, sintetizo: nihil est in sensu quod non prius fuerit in intellectus, antiperipateticamente patético.
         A introvisão (o isight) é de natureza cognitiva, nada sentimental ou sensitiva.
         Há uma necessária preterição, portanto, dos processos operadores da consciência em favor daquelas suficientemente inconscientes. Seja isso o que queira dizer a mais (e melhor).
         O sentimento não há como utilizá-lo criativamente, ele despedaça a imaginação, falsifica a verdade poética, disfarçado em algo bom, elevado. Já o feeling consulta a intuição, é complexo, instintivo, largo, lírico por natureza.
         O feeling poético induz, pressupõe ou gera um campo lírico, onde o dínamo sintagmático atua gerando poemas absolutos. E estes rejeitam quaisquer análises superficiais, habituadas a tratar da velha poética, caracterizada pelas marcas anacrônicas de rima, pés, estrofes metrificadas etc.
         É que a análise do poema elementar visa destacar ou destocar, tirar da toca os dados explícitos e não construir possibilidades de vário entendimento. A poesia absoluta tem mais a ver com destruição vocabular, frásica, gramatical, do discurso do que construção. Daí, figuras exponenciais da teoria absoluta (Admmauro Gommes, Marcondes Torres Calazans, João Constantino, entre outros) dedicarem-se a explorar várias vertentes do desconstrutivismo.
Vital Correia de Araújo

        
          

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