2 de dezembro de 2014

MELO NETO E O SENTIMENTO SOB CONCRETO

por Admmauro Gommes


No meio de mais de três mil páginas de textos acadêmicos produzidos pelo Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto, da UFPB, encontrei treze poemas, sufocados pela intelectualidade do autor. Sufocados, pois é apenas uma amostra de sua poética, escondida no imenso mar de investigações científicas e filosóficas. O sentimentalismo deve ter sido amordaçado, enquanto a vida pragmática e invejável do professor fosse tão exitosa. Por isso, como resultado da falta de tempo para o ócio criativo, mesmo sem perder a qualidade, o eu-lírico se fragmenta em quase todos os textos analisados (“Águas do guaíba, porto alegre/ cair do sol, brilho do mar” p. 478).
José Francisco de Melo Neto
Mesmo considerando a ponderação de Carlos Drummond de Andrade, que o amor não “resultou inútil,” Melo Neto pressentiu (antes tarde do que nunca), que o tempo passou, e o sentimento atordoado ficou reclamando um lugar, por menor que seja, perto (nunca ausente) do filósofo e do intelectual. Melhor dizendo, os treze poemas denunciam bem mais as particularidades do poeta que todo o restante de sua produção científica, quando esta representa o exterior, os versos radiografam o íntimo, quase imperceptível, como em: JÁ NE PAS – “De repente/silêncio mudo.//Um beijo/que cala tudo.//Um ar/de respirar.//Um mar/de te beber.//O ar/o mar de amar.//Jane pas.”  (pp. 473-474). O “de repente” pode ter durado uma vida inteira até chegar ao “silêncio mudo,” somente agora diagnosticado.
Embora a preocupação ambiental seja uma das marcas deste homem combatente político-social, que se avulta como menestrel em nome da Humanidade (Cidade deserta – “A cidade foi ferindo a mata” p. 471), o lirismo continua a reclamar pela necessidade do afeto: “Palavras, olhares/Palavras, vapores/Valores, coração.” (p. 471); e, mais adiante, “noite alta, cama, quarto de hotel/ luzes apagadas, afago o ar” (p. 477). Afago no ar?
É uma poesia que se apresenta como um calidoscópio que reflete ampla visão de mundo, verificada em tantos versos como no poema Flor do serrado: “Computação. Simulação. Ergonomia./Sessão especial. Discurso./Festa e painel./Produtos naturais. Coca-cola. Tv./E eu sem você!” (p. 472). E segue insatisfeito com a praticidade da vida, denunciando a ausência do ente querido que, ao se envolver/conquistar mundos pragmáticos, dele esteve afastado (“E eu sem você!”).
Como o lirismo se mostra pouco, diante dos grandes volumes acadêmicos, vamos continuar conhecendo fagulhas de José Francisco de Melo Neto, que, além de seu olhar inquieto, atento aos problemas e conflitos do mundo contemporâneo, foi eclipsado pelo pragmatismo ditatorial onde os centros acadêmicos aprisionam a liberdade de criação artística.
Somente com a insubordinação sobre o dito e o posto é que se liberta das algemas. Segundo o próprio autor, elas giram em torno de “surrealismo repressão liberdade/...invasão às faculdades/ de concreto de massa de saber,” por isso o “o medo congela o pensamento/tristeza” (p. 479). A tristeza do poeta, que não percebe ao dilacerar o sentimento sob as lajes de concreto, esvazia-se de tanta contemplação, o que pode se resumir nas quase mudas palavras que sugerem um imenso vazio: “o lar/ a casa/ o mar” (p. 470). Pena que são apenas treze poemas!




Referência:
MELO NETO, José Francisco de. Produção acadêmica
Vol. 6. João Pessoa: UFPB, 2014.




Um comentário:

  1. NÚMEROS POÉTICOS
    Mais de três mil páginas. Treze poemas. Sempre fui péssima com os números e depois de “o medo congela o pensamento" em eu-lírico fragmento, tenho a dura certeza que já não posso mais calcular em números poéticos o tamanho da minha curiosidade. Tomara que ninguém chegue antes de mim amanhã à biblioteca da FAMASUL...

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