por Admmauro Gommes
No meio de mais de três mil páginas de textos acadêmicos produzidos pelo
Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto, da UFPB, encontrei treze poemas,
sufocados pela intelectualidade do autor. Sufocados, pois é apenas uma amostra
de sua poética, escondida no imenso mar de investigações científicas e
filosóficas. O sentimentalismo deve ter sido amordaçado, enquanto a vida
pragmática e invejável do professor fosse tão exitosa. Por isso, como resultado
da falta de tempo para o ócio criativo, mesmo sem perder a qualidade, o
eu-lírico se fragmenta em quase todos os textos analisados (“Águas do guaíba,
porto alegre/ cair do sol, brilho do mar” p. 478).
José Francisco de Melo Neto |
Mesmo considerando a ponderação de Carlos Drummond de Andrade, que o
amor não “resultou inútil,” Melo Neto pressentiu (antes tarde do que nunca), que
o tempo passou, e o sentimento atordoado ficou reclamando um lugar, por menor
que seja, perto (nunca ausente) do filósofo e do intelectual. Melhor dizendo,
os treze poemas denunciam bem mais as particularidades do poeta que todo o
restante de sua produção científica, quando esta representa o exterior, os
versos radiografam o íntimo, quase imperceptível, como em: JÁ NE PAS – “De
repente/silêncio mudo.//Um beijo/que cala tudo.//Um ar/de respirar.//Um mar/de
te beber.//O ar/o mar de amar.//Jane pas.”
(pp. 473-474). O “de repente” pode ter durado uma vida inteira até
chegar ao “silêncio mudo,” somente agora diagnosticado.
Embora a preocupação ambiental seja uma das marcas deste homem combatente
político-social, que se avulta como menestrel em nome da Humanidade (Cidade
deserta – “A cidade foi ferindo a mata” p. 471), o lirismo continua a reclamar pela
necessidade do afeto: “Palavras, olhares/Palavras, vapores/Valores, coração.”
(p. 471); e, mais adiante, “noite alta, cama, quarto de hotel/ luzes apagadas,
afago o ar” (p. 477). Afago no ar?
É uma poesia que se apresenta como um calidoscópio que reflete ampla
visão de mundo, verificada em tantos versos como no poema Flor do serrado: “Computação. Simulação. Ergonomia./Sessão
especial. Discurso./Festa e painel./Produtos naturais. Coca-cola. Tv./E eu sem
você!” (p. 472). E segue insatisfeito com a praticidade da vida, denunciando a
ausência do ente querido que, ao se envolver/conquistar mundos pragmáticos, dele
esteve afastado (“E eu sem você!”).
Como o lirismo se mostra pouco, diante dos grandes volumes acadêmicos,
vamos continuar conhecendo fagulhas de José Francisco de Melo Neto, que, além
de seu olhar inquieto, atento aos problemas e conflitos do mundo contemporâneo,
foi eclipsado pelo pragmatismo ditatorial onde os centros acadêmicos aprisionam
a liberdade de criação artística.
Somente com a insubordinação sobre o dito e o posto é que se liberta das
algemas. Segundo o próprio autor, elas giram em torno de “surrealismo repressão
liberdade/...invasão às faculdades/ de concreto de massa de saber,” por isso o “o
medo congela o pensamento/tristeza” (p. 479). A tristeza do poeta, que não percebe ao dilacerar o sentimento sob as lajes de concreto, esvazia-se de
tanta contemplação, o que pode se resumir nas quase mudas palavras que sugerem um
imenso vazio: “o lar/ a casa/ o mar” (p. 470). Pena que são apenas treze
poemas!
Referência:
MELO NETO, José
Francisco de. Produção acadêmica.
Vol. 6. João Pessoa: UFPB, 2014.
NÚMEROS POÉTICOS
ResponderExcluirMais de três mil páginas. Treze poemas. Sempre fui péssima com os números e depois de “o medo congela o pensamento" em eu-lírico fragmento, tenho a dura certeza que já não posso mais calcular em números poéticos o tamanho da minha curiosidade. Tomara que ninguém chegue antes de mim amanhã à biblioteca da FAMASUL...