Botecos
Tinha uma mania: colecionava
botecos. Não os frequentava, apenas Era um estudioso. Gostava de descobrir
botecos e recomendar para os amigos. Ultimamente, vinha se especializando — um
refinamento da sua paixão - no que chamava de botecos asquerosos. Daqueles que
nenhum fiscal da Saúde Pública incomoda porque não passa pela porta sem
desmaiar.
Seu rosto se iluminava na
frente de um boteco asqueroso recém-descoberto. Não resistia e entrava. Depois
contava para os amigos.
- Uma glória. Sabe ovo boiando
em garrafão com água?
- Repelente, não é?
- As galinhas não os receberiam
de volta. A própria mãe! Descrevia o boteco com carinhoso entusiasmo.
- E que moscas. Mas que moscas!
Só não tinha paciência com o
falso sórdido. Alguns botecos assumiam suas privações como uma declaração de
falta de princípios. Ele preferia o sórdido inconsciente, o sórdido autêntico.
Principalmente, o sórdido pretensioso. Uma vez contara, extasiado, uma cena.
Terminara de comer uma inominável almôndega, pedira um palito para o dono do
boteco e desencadeara uma busca barulhenta e mal-humorada, com o dono
procurando por toda parte e gritando para a mulher:
- Cadê o palito?
Finalmente o dono encontrara o
palito atrás da orelha e o oferecera. Ele se emocionava só de contar.
Os amigos, sabendo da sua
paixão, mantinham-se atentos para botecos sórdidos que pudessem interessá-lo.
Muitos ele já conhecia.
- Um que tem uma Virgem Maria
pintada num espelho com uma barata esmigalhada de tapa-olho? Vou seguido lá. A
cachaça é tão braba que tem bula com contra- indicação.
Outro dia lhe trouxeram a
notícia do pior dos botecos. Não era um boteco de quinta categoria. Era um
boteco de última categoria. Ficava no limite entre a vida inteligente e a vida
orgânica. Ele precisava ir lá verificar. Foi no mesmo dia. Ficou estudando o
boteco de longe, antes de se aproximar. Tinha um garoto na porta do boteco. A
função do garoto era atacar cachorros sarnentos. Quando passava um cachorro
sarnento o garoto o enxotava - para dentro do boteco!
Ele atravessou a rua na direção
do boteco com aquele brilho no olhar que tem o pesquisador no limiar da grande
revelação, ou o santo antes do doce martírio.
E tem a história do Nascimento,
que um dia quase brigou com o garçom porque chegou na mesa, cumprimentou a
turma, sentou, pediu um chope e depois disse:
- E trás aí uns piriris.
- O que? – disse o garçom.
- Uns piriris.
- Não tem.
- Como, não tem?
- “Piriris” que o senhor diz
é...
- Por amor de Deus. O nome está
dizendo. Piriris.
- Você quer dizer – sugeriu
alguém, para acabar com o impasse – uns queijinhos, uns salaminhos...
- Coisas pra beliscar –
completou o outro, mais científico.
Mas o Nascimento, emburrado não
disse mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também
emburrado, foi e voltou trazendo o chope e três pires. Com queijinhos,
salaminhos e azeitonas. Durante alguns segundos, Nascimento e o garçom se
olharam nos olhos. Finalmente o Nascimento deu um tapa na mesa e gritou:
- Você chama isso de piriris?
E o garçom, no mesmo tom:
- Não. Você chama isso de
piriris!
Tiveram que acalmar os ânimos
dos dois, a gerência trocou o garçom de mesa e o Nascimento ficou lamentando a
incapacidade das pessoas de compreender as palavras mais claras. Por exemplo,
“flunfa”. Não estava claro o que era flunfa? Todos na mesa se entreolharam.
Não, não estava claro o que era flunfa.
- A palavra está dizendo -
impacientou-se Nascimento. - Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo. Pelo
amor de Deus!
Fonte:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-cronica-botecos-de-luis-fernando-verissimo
Assista ao vídeo de Admmauro Gommes
falando sobre Crônica.
falando sobre Crônica.
É só clicar em:
A narrativa de ficção apresenta-se em vários formatos, entre eles está a crônica literária, que é o relato do acontecimento de pequenos fatos observados ou criados pelo cronista em um determinado tempo, que pode incrementar a tal fato o humo e ainda utilizar a fala coloquial, levando o leitor a ver com outra ótica o que parece ser muito óbvio pra ser observado.
ResponderExcluirPodemos observar tais características na crônica Botecos, onde Veríssimo conta a história do Nascimento com certo tom de humor e também fazendo o uso da linguagem coloquial quando pede ao garçom para trazer uns piriris, fazendo com que o veja de outra forma o simples fato de fazer um pedido ao garçom, instigando assim a curiosidade do leitor para descobrir oque realmente são os piriris.
Um assunto pode ser usado por diferentes pessoas para se fazer uma crônica, mas cada cronista deve fazer isso de forma individual e original, pois um fato pode ser interpretado de varias formas isso dependerá da visão de ótica do cronista.
César Cicero dos Santos
Muito bom, César.
ExcluirÉ isso mesmo. A crônica tem essas características. Você também foi feliz ao comentar o texto de Veríssimo.
Crônica, é o relato de um ou mais acontecimentos em um determinado tempo, sendo em prosa curta, ou seja, um fato breve. Os autores contam fatos comuns do dia a dia, relatam o cotidiano da vida real das pessoas, usando a linguagem coloquial e humor, aproximando autor e leitor.
ResponderExcluirPodemos observar que na crônica "Botecos" o autor usa a linguagem coloquial no trecho
"- E trás aí uns piriris
- O quê ? - disse o garçom
- Uns piriris."
Sendo assim, na crônica literária, como essa, o autor tenta despertar a curiosidade do leitor, pois cada um observa de um jeito diferente e destaca aspectos diferentes.
Cronica e um texto curto,contendo a visão bem humorada (na maioria das vezes) de um acontecimento,onde o cronista tem a liberdade de recriar a cena,seja ela vivida por ele ou não,levando ao leitor o lado humorístico de certas ocasiões do dia-a-dia, como vemos em "botecos"de Luis Fernando Veríssimo o relato bem humorado de situações aparentemente comuns, ou seja é o bom humor e criatividade em momentos rápidos e em uma leitura a assim breve.
ResponderExcluirCronica e um texto curto,contendo a visão bem humorada (na maioria das vezes) de um acontecimento,onde o cronista tem a liberdade de recriar a cena,seja ela vivida por ele ou não,levando ao leitor o lado humorístico de certas ocasiões do dia-a-dia, como vemos em "botecos"de Luis Fernando Veríssimo o relato bem humorado de situações aparentemente comuns, ou seja é o bom humor e criatividade em momentos rápidos e em uma leitura breve.
ResponderExcluirCrônica literária é um texto curto escrito em prosa onde relata fatos do cotidiano,que pode ser escrito de várias formas (polimórfica) como narrativa, carta, resenha, comentário, diálogo, monólogo, etc. Faz o uso de palavras em duplo sentido trazendo o humor para a história e utiliza a linguagem coloquial.
ResponderExcluirComo podemos observar na crônica "Botecos" de Veríssimo que diz: - E trás aí uns piriris./ -O que? disse o garçom./ -Uns piriris. Ele usou uma linguagem coloquial na fala dos personagens, retratando um simples acontecimento de forma diferente e humorística aproximando o autor e leitor.