24 de agosto de 2014

AFINAL, O QUE É CRÔNICA LITERÁRIA?


Botecos
Luis Fernando Veríssimo


Tinha uma mania: colecionava botecos. Não os frequentava, apenas Era um estudioso. Gostava de descobrir botecos e recomendar para os amigos. Ultimamente, vinha se especializando — um refinamento da sua paixão - no que chamava de botecos asquerosos. Daqueles que nenhum fiscal da Saúde Pública incomoda porque não passa pela porta sem desmaiar.
Seu rosto se iluminava na frente de um boteco asqueroso recém-descoberto. Não resistia e entrava. Depois contava para os amigos.
- Uma glória. Sabe ovo boiando em garrafão com água?
- Repelente, não é?
- As galinhas não os receberiam de volta. A própria mãe! Descrevia o boteco com carinhoso entusiasmo.
- E que moscas. Mas que moscas!
Só não tinha paciência com o falso sórdido. Alguns botecos assumiam suas privações como uma declaração de falta de princípios. Ele preferia o sórdido inconsciente, o sórdido autêntico. Principalmente, o sórdido pretensioso. Uma vez contara, extasiado, uma cena. Terminara de comer uma inominável almôndega, pedira um palito para o dono do boteco e desencadeara uma busca barulhenta e mal-humorada, com o dono procurando por toda parte e gritando para a mulher:
- Cadê o palito?
Finalmente o dono encontrara o palito atrás da orelha e o oferecera. Ele se emocionava só de contar.
Os amigos, sabendo da sua paixão, mantinham-se atentos para botecos sórdidos que pudessem interessá-lo. Muitos ele já conhecia.
- Um que tem uma Virgem Maria pintada num espelho com uma barata esmigalhada de tapa-olho? Vou seguido lá. A cachaça é tão braba que tem bula com contra- indicação.
Outro dia lhe trouxeram a notícia do pior dos botecos. Não era um boteco de quinta categoria. Era um boteco de última categoria. Ficava no limite entre a vida inteligente e a vida orgânica. Ele precisava ir lá verificar. Foi no mesmo dia. Ficou estudando o boteco de longe, antes de se aproximar. Tinha um garoto na porta do boteco. A função do garoto era atacar cachorros sarnentos. Quando passava um cachorro sarnento o garoto o enxotava - para dentro do boteco! 
Ele atravessou a rua na direção do boteco com aquele brilho no olhar que tem o pesquisador no limiar da grande revelação, ou o santo antes do doce martírio.
E tem a história do Nascimento, que um dia quase brigou com o garçom porque chegou na mesa, cumprimentou a turma, sentou, pediu um chope e depois disse:
- E trás aí uns piriris.
- O que? – disse o garçom.
- Uns piriris.
- Não tem.
- Como, não tem?
- “Piriris” que o senhor diz é...
- Por amor de Deus. O nome está dizendo. Piriris.
- Você quer dizer – sugeriu alguém, para acabar com o impasse – uns queijinhos, uns salaminhos...
- Coisas pra beliscar – completou o outro, mais científico.
Mas o Nascimento, emburrado não disse mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também emburrado, foi e voltou trazendo o chope e três pires. Com queijinhos, salaminhos e azeitonas. Durante alguns segundos, Nascimento e o garçom se olharam nos olhos. Finalmente o Nascimento deu um tapa na mesa e gritou:
- Você chama isso de piriris?
E o garçom, no mesmo tom:
- Não. Você chama isso de piriris!
Tiveram que acalmar os ânimos dos dois, a gerência trocou o garçom de mesa e o Nascimento ficou lamentando a incapacidade das pessoas de compreender as palavras mais claras. Por exemplo, “flunfa”. Não estava claro o que era flunfa? Todos na mesa se entreolharam. Não, não estava claro o que era flunfa.

- A palavra está dizendo - impacientou-se Nascimento. - Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo. Pelo amor de Deus!

Fonte: 
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-cronica-botecos-de-luis-fernando-verissimo


Assista ao vídeo de Admmauro Gommes 
falando sobre Crônica. 
É só clicar em:

6 comentários:

  1. A narrativa de ficção apresenta-se em vários formatos, entre eles está a crônica literária, que é o relato do acontecimento de pequenos fatos observados ou criados pelo cronista em um determinado tempo, que pode incrementar a tal fato o humo e ainda utilizar a fala coloquial, levando o leitor a ver com outra ótica o que parece ser muito óbvio pra ser observado.
    Podemos observar tais características na crônica Botecos, onde Veríssimo conta a história do Nascimento com certo tom de humor e também fazendo o uso da linguagem coloquial quando pede ao garçom para trazer uns piriris, fazendo com que o veja de outra forma o simples fato de fazer um pedido ao garçom, instigando assim a curiosidade do leitor para descobrir oque realmente são os piriris.
    Um assunto pode ser usado por diferentes pessoas para se fazer uma crônica, mas cada cronista deve fazer isso de forma individual e original, pois um fato pode ser interpretado de varias formas isso dependerá da visão de ótica do cronista.

    César Cicero dos Santos

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    1. Muito bom, César.

      É isso mesmo. A crônica tem essas características. Você também foi feliz ao comentar o texto de Veríssimo.

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  2. Crônica, é o relato de um ou mais acontecimentos em um determinado tempo, sendo em prosa curta, ou seja, um fato breve. Os autores contam fatos comuns do dia a dia, relatam o cotidiano da vida real das pessoas, usando a linguagem coloquial e humor, aproximando autor e leitor.
    Podemos observar que na crônica "Botecos" o autor usa a linguagem coloquial no trecho
    "- E trás aí uns piriris
    - O quê ? - disse o garçom
    - Uns piriris."
    Sendo assim, na crônica literária, como essa, o autor tenta despertar a curiosidade do leitor, pois cada um observa de um jeito diferente e destaca aspectos diferentes.

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  3. Amanda Lucia de Melo26 de agosto de 2014 às 15:10

    Cronica e um texto curto,contendo a visão bem humorada (na maioria das vezes) de um acontecimento,onde o cronista tem a liberdade de recriar a cena,seja ela vivida por ele ou não,levando ao leitor o lado humorístico de certas ocasiões do dia-a-dia, como vemos em "botecos"de Luis Fernando Veríssimo o relato bem humorado de situações aparentemente comuns, ou seja é o bom humor e criatividade em momentos rápidos e em uma leitura a assim breve.

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  4. Amanda Lucia de Melo26 de agosto de 2014 às 15:16

    Cronica e um texto curto,contendo a visão bem humorada (na maioria das vezes) de um acontecimento,onde o cronista tem a liberdade de recriar a cena,seja ela vivida por ele ou não,levando ao leitor o lado humorístico de certas ocasiões do dia-a-dia, como vemos em "botecos"de Luis Fernando Veríssimo o relato bem humorado de situações aparentemente comuns, ou seja é o bom humor e criatividade em momentos rápidos e em uma leitura breve.

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  5. Maria Nayara Gomes da Silva26 de agosto de 2014 às 15:32

    Crônica literária é um texto curto escrito em prosa onde relata fatos do cotidiano,que pode ser escrito de várias formas (polimórfica) como narrativa, carta, resenha, comentário, diálogo, monólogo, etc. Faz o uso de palavras em duplo sentido trazendo o humor para a história e utiliza a linguagem coloquial.
    Como podemos observar na crônica "Botecos" de Veríssimo que diz: - E trás aí uns piriris./ -O que? disse o garçom./ -Uns piriris. Ele usou uma linguagem coloquial na fala dos personagens, retratando um simples acontecimento de forma diferente e humorística aproximando o autor e leitor.

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