Com comentários de Marcondes Calazans, Ricardo Guerra e Sylvia Beltrão
O que
faz com que alguém se demore em praça pública conversando com uma estátua? Pois
bem, eu tenho dois amigos que chamam a atenção dos transeuntes quando
dialogavam com o busto de Pedro Paranhos ou com estátua do poeta
Ascenso Ferreira, em Palmares.
Ricardo
Guerra, afamado conhecedor de mitos, mantos e moitas da Mata Meridional
Pernambucana, chegando à Famasul, diante da estátua de Ascenso Ferreira, trava
o seguinte conversatório que publica em “Danou-se nega do doce:”
“Estupefato
perguntei a Ascenso Ferreira:
-
Poeta, o que estás aqui a fazer e a pensar?
Ele me
respondeu:
- Você
que é de lá de Jaqueira
digo-lhe
que vim para muito incentivar
porque
os poetas não morrem, se encantam.
Estive
em outra dimensão para meditar
Por
tudo que passei nesta vida a poetar.”
Já Marcondes
Calazans, historiador e investigador de causos, aguça o interesse de
estudantes, no centro de Palmares, diante do busto de Pedro Paranhos. É
edificante a conversa entre ambos:
“O
coronel com meu auxílio e repleto de satisfação e júbilo, já apresentava
expressões de cansaço, se esforçava para transformar aquele momento em algo
eterno, quando continuou sua palestra:
- Sou
amigo de Alfredo Freyre, pai do sociólogo Gilberto Freyre. No dia 21 de junho
de 1924, eu e minha esposa Laura demos uma grande festa para a família Freyre.
Continua o coronel Pedro: “Gilberto Freyre, o qual eu tinha como filho, quando
de sua vinda ao Engenho Japaranduba, costumava acordar de madrugada, tomar café
e sair a cavalo ainda às escuras para aqui onde estamos”. “Gilberto costumava
dizer”: “nos trópicos é quando a paisagem se deixa ver melhor.” E continua a
falar Pedro Paranhos: “Nos jantares eu costumava promover grandes encontros com
Alfredo Freyre, na Casa de Japaranduba quando era servido: sopa de estrelinha,
galinha com ervilha, lombo de vaca, beijo de cabocla e vinho da casa de Antonio
Marinheiro. Que vinho maravilhoso!”
O que
se percebe é que, na tentativa de resgatar o passado, através das esculturas
que representam vultos de nossa história, os professores e historiadores
mencionados reclamam valores éticos e morais que não mais existem ou não têm
consistência diante da sociedade contemporânea. Isso não representa mera
abstração ou alguém que esteja fora de órbita, quando se tenta papear com uma
escultura no meio da rua. Antes revela a condição de revolta com a geração
atual que não entende valores importantes que sustentaram a base da nossa
sociedade, principalmente nos últimos séculos e que ora desmoronam.
Temos
grandes exemplos na história da humanidade de ícones, excelentes escritores e
personalidades que, rejeitando o senso comum que não entendia a mensagem nem o
seu ponto de vista, muito menos a visão de mundo avançada para a época,
procuram ultrapassar os limites do pensamento de sua geração, construindo
“provável” diálogo com seres inanimados ou que não podiam “raciocinar”, mas que
representaram muito, na sua mudez, a sociedade também muda e surda em que
vivemos/viveram. Tomemos por exemplo o Sermão de Santo Antônio aos Peixes
de autoria do Padre Antônio Vieira. Não encontrando espaço para que as
pessoas ouvissem, escolhe o santo lançar o evangelho aos peixes, justificando
que o Mestre ordenou pregar a toda criatura e como poucos ouviam a
palavra, tanto fazia, pregar a pessoas ou a animais:
“Ao
menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só
coisa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não
há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não
sente.”
Notável
também é o soneto de Olavo Bilac, Ouvir Estrelas em que, movido por
um lirismo extremado, diz:
"Ora
(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste
o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que,
para ouvi-las, muita vez desperto
E abro
as janelas, pálido de espanto...”
Roberto
Carlos também, na letra de sua música O Portão, busca estabelecer um
contato com seu passado diante da fotografia amarelada na parede:
“Meu
retrato ainda na parede
Meio
amarelado pelo tempo
Como a
perguntar por onde andei
E eu
falei:
- Onde
andei não deu para ficar
Porque
aqui, aqui é meu lugar.”
O
cantor imagina que o retrato disse alguma coisa e imediatamente responde, sem
suspeitar da impossível pergunta vinda da parede.
Como se
vê, não é de se estranhar que pessoas conversem com os passarinhos, como fazia
São Francisco de Assis. Encontramos tantos outros que estabelecem um colóquio
com seus animais de estimação. Como parece, isso é “normal.” Conversar é uma
maneira de expurgar os fantasmas e desanuviar o pensamento.
Além de
manter viva a interlocução, pretende-se, diante elemento que simboliza o
passado, dialogar com aquele tempo e refletir sobre o que passou, avançou ou
regrediu. Na verdade, é com o retrovisor voltado para imagens antigas que se
entende o ontem e se faz compreender o amanhã. Este é o papel de todo
historiador, poeta, ou ser pensante qualquer, mesmo que não tenha pretensão
artística. Não digo que devemos procurar as estátuas, mas sim buscar uma forma
de entender melhor o passado para nos projetarmos melhor no futuro. Se as
estátuas forem as “únicas pessoas” que nos derem ouvidos, que sejam!
Marcondes:
Ícones e estátuas são a mesma coisa. Você que já é um ícone, agora "brinque" de estátua. Aliás, esta era uma brincadeira interessante de nossa infância: Estátua! - Admmauro Gommes
ooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
Bravo!
Bravo! texto maravilhoso! Alguns medíocres que interpretam como louca, pouca ou
nenhuma criatividade precisam ler sua impressão e justificativa escrita das
razões que levam algumas pessoas a conversarem com estátuas.
Admmauro,
és um gênio que permite por generosidade qu algumas pessoas possam participar
de sua vida intelectual e amizade incondicional.
Obrigado
por você existir me dando o prazer de beber em sua fonte inesgotável de
sabedoria. Grande abraço Amado Irmão. - Marcondes Calazans
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Ícones e estátuas são a mesma coisa. Você que já é um ícone, agora "brinque" de estátua. Aliás, esta era uma brincadeira interessante de nossa infância: Estátua! - Admmauro Gommes
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Também
converso com Ascenso!!!!
E olha, que acredito que o meu caso seja mais grave que o
de Calazans e Guerra juntos. Porque além de conversar com Ascenso, eu ainda
agarro ele.
Quem
me conhece bem, sabe que de cara, eu arrumo logo um apelido para todas as
pessoas que se aproximam de mim. Os professores também não escapam disso, cada
um deles já ganhou algum apelido meu. Com Ascenso não podia ser diferente: O
HOMEM DE OURO. Fiquei feliz quando vi que eu não sou a única a conversar com
Ascenso, julgava que meu caso estava caminhando para a internação... - Sylvia Beltrão
oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
Além
desse diálogo com Ascenso, gosto também de conversar com as minhas plantas –
minha paixão – por exemplo, tenho um bonsai - técnica e/ou arte, originárias do
Japão, de miniaturizar plantas- criança ainda, com apenas dois anos, mas que gosta
de música clássica (adora Vivaldi), já a minha orquídea Cattleya labiata gosta
de frevo; meu casal de cães perdigueiros ficam uivando quando o sino da igreja
blimblomba ao meio dia e as seis da tarde, eles disseram-me que é porque o
ruído incomodam os seus tímpanos, as groselheiras preferem um
forró-pé-de-serra, a hera-trepadeira trepa melhor quando escuta o “bollero de
Ravel”, o mamoeiro e as videiras apreciam os diálogos dos poetas e filósofos
quando vêm almoçar comigo, mas o “chifre-de-veado morre de medo do tiro do meu
bacamarte. Fazer o quê, não é mesmo? - Ricardo Guerra
Bravo! Bravo! texto maravilhoso! Alguns medíocres que interpretam como louca, pouca ou nenhuma criatividade precisam ler sua impressão e justificativa escrita das razões que levam algumas pessoas a conversarem com estátuas.
ResponderExcluirAdmmauro, és um gênio que permite por generosidade qu algumas pessoas possam participar de sua vida intelectual e amizade incondicional.
Obrigado por você existir me dando o prazer de beber em sua fonte inesgotável de sabedoria.
Grande abraço Amado Irmão.
Marcondes:
ExcluirÍcones e estátuas são a mesma coisa.
Você que já é um ícone, agora "brinque" de estátua. Aliás, esta era uma brincadeira interessante de nossa infância: Estátua!
Além desse diálogo com Ascenso, gosto também de conversar com as minhas plantas – minha paixão – por exemplo, tenho um bonsai - técnica e/ou arte, originárias do Japão, de miniaturizar plantas- criança ainda, com apenas dois anos, mas que gosta de música clássica (adora Vivaldi), já a minha orquídea Cattleya labiata gosta de frevo; meu casal de cães perdigueiros ficam uivando quando o sino da igreja blimblomba ao meio dia e as seis da tarde, eles disseram-me que é porque o ruído incomodam os seus tímpanos, as groselheiras preferem um forró-pé-de-serra, a hera-trepadeira trepa melhor quando escuta o “bollero de Ravel”, o mamoeiro e as videiras apreciam os diálogos dos poetas e filósofos quando vêm almoçar comigo, mas o “chifre-de-veado morre de medo do tiro do meu bacamarte. Fazer o quê, não é mesmo?
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