18 de junho de 2014

CONVERSANDO COM ESTÁTUAS

Admmauro Gommes
Com comentários de Marcondes Calazans, Ricardo Guerra e Sylvia Beltrão




O que faz com que alguém se demore em praça pública conversando com uma estátua? Pois bem, eu tenho dois amigos que chamam a atenção dos transeuntes quando dialogavam com o busto de Pedro Paranhos ou com estátua do poeta Ascenso Ferreira, em Palmares.
Ricardo Guerra, afamado conhecedor de mitos, mantos e moitas da Mata Meridional Pernambucana, chegando à Famasul, diante da estátua de Ascenso Ferreira, trava o seguinte conversatório que publica em “Danou-se nega do doce:”

“Estupefato perguntei a Ascenso Ferreira:
- Poeta, o que estás aqui a fazer e a pensar?
Ele me respondeu:
- Você que é de lá de Jaqueira
digo-lhe que vim para muito incentivar
porque os poetas não morrem, se encantam.
Estive em outra dimensão para meditar
Por tudo que passei nesta vida a poetar.”

Já Marcondes Calazans, historiador e investigador de causos, aguça o interesse de estudantes, no centro de Palmares, diante do busto de Pedro Paranhos. É edificante a conversa entre ambos:

“O coronel com meu auxílio e repleto de satisfação e júbilo, já apresentava expressões de cansaço, se esforçava para transformar aquele momento em algo eterno, quando continuou sua palestra:
- Sou amigo de Alfredo Freyre, pai do sociólogo Gilberto Freyre. No dia 21 de junho de 1924, eu e minha esposa Laura demos uma grande festa para a família Freyre. Continua o coronel Pedro: “Gilberto Freyre, o qual eu tinha como filho, quando de sua vinda ao Engenho Japaranduba, costumava acordar de madrugada, tomar café e sair a cavalo ainda às escuras para aqui onde estamos”. “Gilberto costumava dizer”: “nos trópicos é quando a paisagem se deixa ver melhor.” E continua a falar Pedro Paranhos: “Nos jantares eu costumava promover grandes encontros com Alfredo Freyre, na Casa de Japaranduba quando era servido: sopa de estrelinha, galinha com ervilha, lombo de vaca, beijo de cabocla e vinho da casa de Antonio Marinheiro. Que vinho maravilhoso!”
O que se percebe é que, na tentativa de resgatar o passado, através das esculturas que representam vultos de nossa história, os professores e historiadores mencionados reclamam valores éticos e morais que não mais existem ou não têm consistência diante da sociedade contemporânea. Isso não representa mera abstração ou alguém que esteja fora de órbita, quando se tenta papear com uma escultura no meio da rua. Antes revela a condição de revolta com a geração atual que não entende valores importantes que sustentaram a base da nossa sociedade, principalmente nos últimos séculos e que ora desmoronam. 
Temos grandes exemplos na história da humanidade de ícones, excelentes escritores e personalidades que, rejeitando o senso comum que não entendia a mensagem nem o seu ponto de vista, muito menos a visão de mundo avançada para a época, procuram ultrapassar os limites do pensamento de sua geração, construindo “provável” diálogo com seres inanimados ou que não podiam “raciocinar”, mas que representaram muito, na sua mudez, a sociedade também muda e surda em que vivemos/viveram. Tomemos por exemplo o Sermão de Santo Antônio aos Peixes de autoria do Padre Antônio Vieira. Não encontrando espaço para que as pessoas ouvissem, escolhe o santo lançar o evangelho aos peixes, justificando que o Mestre ordenou  pregar a toda criatura e como poucos ouviam a palavra, tanto fazia, pregar a pessoas ou a animais:
“Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só coisa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente.”
Notável também é o soneto de Olavo Bilac, Ouvir Estrelas em que, movido por um lirismo extremado, diz:
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...”
Roberto Carlos também, na letra de sua música O Portão, busca estabelecer um contato com seu passado diante da fotografia amarelada na parede:
“Meu retrato ainda na parede
Meio amarelado pelo tempo
Como a perguntar por onde andei
E eu falei:
- Onde andei não deu para ficar
Porque aqui, aqui é meu lugar.”

O cantor imagina que o retrato disse alguma coisa e imediatamente responde, sem suspeitar da impossível pergunta vinda da parede.
Como se vê, não é de se estranhar que pessoas conversem com os passarinhos, como fazia São Francisco de Assis. Encontramos tantos outros que estabelecem um colóquio com seus animais de estimação. Como parece, isso é “normal.” Conversar é uma maneira de expurgar os fantasmas e desanuviar o pensamento.

Além de manter viva a interlocução, pretende-se, diante elemento que simboliza o passado, dialogar com aquele tempo e refletir sobre o que passou, avançou ou regrediu. Na verdade, é com o retrovisor voltado para imagens antigas que se entende o ontem e se faz compreender o amanhã. Este é o papel de todo historiador, poeta, ou ser pensante qualquer, mesmo que não tenha pretensão artística. Não digo que devemos procurar as estátuas, mas sim buscar uma forma de entender melhor o passado para nos projetarmos melhor no futuro. Se as estátuas forem as “únicas pessoas” que nos derem ouvidos, que sejam!


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Bravo! Bravo! texto maravilhoso! Alguns medíocres que interpretam como louca, pouca ou nenhuma criatividade precisam ler sua impressão e justificativa escrita das razões que levam algumas pessoas a conversarem com estátuas. 
Admmauro, és um gênio que permite por generosidade qu algumas pessoas possam participar de sua vida intelectual e amizade incondicional.
Obrigado por você existir me dando o prazer de beber em sua fonte inesgotável de sabedoria. Grande abraço Amado Irmão. - Marcondes Calazans
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Marcondes:
Ícones e estátuas são a mesma coisa. Você que já é um ícone, agora "brinque" de estátua. Aliás, esta era uma brincadeira interessante de nossa infância: Estátua! - Admmauro Gommes


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Também converso com Ascenso!!!!

E olha, que acredito que o meu caso seja mais grave que o de Calazans e Guerra juntos. Porque além de conversar com Ascenso, eu ainda agarro ele.
Quem me conhece bem, sabe que de cara, eu arrumo logo um apelido para todas as pessoas que se aproximam de mim. Os professores também não escapam disso, cada um deles já ganhou algum apelido meu. Com Ascenso não podia ser diferente: O HOMEM DE OURO. Fiquei feliz quando vi que eu não sou a única a conversar com Ascenso, julgava que meu caso estava caminhando para a internação... - Sylvia Beltrão
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Além desse diálogo com Ascenso, gosto também de conversar com as minhas plantas – minha paixão – por exemplo, tenho um bonsai - técnica e/ou arte, originárias do Japão, de miniaturizar plantas- criança ainda, com apenas dois anos, mas que gosta de música clássica (adora Vivaldi), já a minha orquídea Cattleya labiata gosta de frevo; meu casal de cães perdigueiros ficam uivando quando o sino da igreja blimblomba ao meio dia e as seis da tarde, eles disseram-me que é porque o ruído incomodam os seus tímpanos, as groselheiras preferem um forró-pé-de-serra, a hera-trepadeira trepa melhor quando escuta o “bollero de Ravel”, o mamoeiro e as videiras apreciam os diálogos dos poetas e filósofos quando vêm almoçar comigo, mas o “chifre-de-veado morre de medo do tiro do meu bacamarte. Fazer o quê, não é mesmo? - Ricardo Guerra



3 comentários:

  1. Bravo! Bravo! texto maravilhoso! Alguns medíocres que interpretam como louca, pouca ou nenhuma criatividade precisam ler sua impressão e justificativa escrita das razões que levam algumas pessoas a conversarem com estátuas.
    Admmauro, és um gênio que permite por generosidade qu algumas pessoas possam participar de sua vida intelectual e amizade incondicional.

    Obrigado por você existir me dando o prazer de beber em sua fonte inesgotável de sabedoria.

    Grande abraço Amado Irmão.

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    1. Marcondes:

      Ícones e estátuas são a mesma coisa.
      Você que já é um ícone, agora "brinque" de estátua. Aliás, esta era uma brincadeira interessante de nossa infância: Estátua!

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  2. Além desse diálogo com Ascenso, gosto também de conversar com as minhas plantas – minha paixão – por exemplo, tenho um bonsai - técnica e/ou arte, originárias do Japão, de miniaturizar plantas- criança ainda, com apenas dois anos, mas que gosta de música clássica (adora Vivaldi), já a minha orquídea Cattleya labiata gosta de frevo; meu casal de cães perdigueiros ficam uivando quando o sino da igreja blimblomba ao meio dia e as seis da tarde, eles disseram-me que é porque o ruído incomodam os seus tímpanos, as groselheiras preferem um forró-pé-de-serra, a hera-trepadeira trepa melhor quando escuta o “bollero de Ravel”, o mamoeiro e as videiras apreciam os diálogos dos poetas e filósofos quando vêm almoçar comigo, mas o “chifre-de-veado morre de medo do tiro do meu bacamarte. Fazer o quê, não é mesmo?

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