14 de novembro de 2014

O ULTRAFUTURO

Com análises de Marcondes Calazans e Jefferson Evânio sobre texto de VCA

          O “ultrafuturo” é um termo cunhado por VCA, no final de 2014, em um de seus artigos sobre poesia absoluta (Poesia além da mimética), esta que, na opinião dele, é atemporal. O ultrafuturismo, divergente do futurismo de Marinetti, não nega apenas o passado, mas vale-se dele para construir um ponto cardeal, ainda que oposto, sobretudo transpassador de tempos.
O futurismo era um presente que apenas apontava para o futuro, encantado com a velocidade das máquinas, em 1909. Pouco mais de um século distantes de nós, os seguidores do italiano Filippo Tommaso Marinetti foram ultrapassados exatamente pela máquina que os encantou, em sua última versão, o computador. Portanto, urgia que se lançasse uma semente bem mais longe, onde as engrenagens industriais não pudessem chegar, no indecifrável e sempre profícuo solo da mente humana. Como se sabe, existe uma capacidade infinita de possibilidades linguísticas a serem estudadas sobre o pensamento e suas formas inusitadas de “escrever” o mundo. É nesse lugar que se encaixará o ultrafuturismo de Vital Corrêa de Araújo. Uma linguagem carregada ao extremo de “ultrassentidos,” desconstrução permanente dos sintagmas verbais. Como ele mesmo afirma, é o “que virá do por vir vindo.”
 Com certeza, estamos falando de uma nova revolução da palavra e isso promove uma antecipação anacrônica (no sentido de contrariar o que é cronológico) do pensamento contemporâneo. É como se pudéssemos provar do futuro bem antes que ele nos encontre. O tempo que há de vir, talvez chegue daqui a cinco décadas, mas podemos dizer que ele já se pode acessar no plano da linguagem, obscura para uns, mas disponível para poucos, em forma de poesia absoluta.  (Admmauro GommesPalmares, PE, 11.11.14)




_____________________________________________________________________________________________



POESIA ALÉM DA MIMÉTICA
Vital Corrêa de Araújo

            Têm sido extremamente válidas e sobremaneira significativas para mim as contribuições teóricas e as visões práticas expendidas, acerca do que seja ou possa ser poesia absoluta (no sentido de não ser relativa ao passado, com a marca vencida), dos professores da FAMASUL – Palmares: Admmauro Gommes, Sylvia Beltrão, João Constantino, Márcia Maria, Marcondes Torres Calazans, Ricardo Guerra e Romilda Andrade, entre outros, que se estão debruçando sobre essa avançada “modalidade de rima”, concorde com o tempo atual (o século XXI).
            A obra (de arte) poética deve refletir expressamente a experiência do tempo, revestir-se ou dar forma a um estilo da época em devir (em substância e não en passant). Estilo epocal (atual), que, por sua vez, reflita o mundo da atualidade a que pertença o ser. Ir ao devir e não viver do já ido. Pensar (e não passar) o tempo, não ser só passado pelo tempo. Viver e “fazer” a arte da palavra, in casu, que contenha e contemple esse tempo (hoje, agora) e vise ultrapassá-lo... e nunca regressá-lo.
            Daí, a poesia – que reflita o ser em devir – repudiar o estado mero de vivências pessoais (como pregava Dilthey, em Poesia e vida) e expressar a intuição do sendo e do será objetivamente (não o eu empírico mas a metamorfose do mundo). O imaginário devir, não o imaginário devém.
            Toda obra de arte consequente (de Rilke a Picasso, de Murilo Mendes a Kandinski, de CDA a Matisse) deve ser capaz de poder vencer o tempo, ultrapassá-lo, e nunca se limitar a comtemplar o umbigo do que passou. Isto é, despojar-se das meras e impassíveis realidades cotidianas para transcender as substancialidades fixas.
            Ao poeta absoluto (esse tipo de deus da nova palavra) cabe o milagre da transubstancialização (mais do que mera transubstancialidade) da palavra em ato de ação poética, que modifique ou contribua para transformar a realidade exterior, a partir da publicação do íntimo (do tempo).
            É essa ação espiritual a causa da poesia (nas duas acepções do termo causa: bandeira e razão. O ato poético (não relativo) absoluto, isto é, quando autêntico e transfigurador, cria o seu próprio corpo (forma), ativa o porvir e não é passivo dos débitos do passado que se arraste (soneticalmente ultrapassado). Não vive o poema absoluto do “ultrapassado”, porém se alimenta do ultrafuturo. É o poema (a forma) talhado à medida do homem de hoje. E não o homem já passado (ou estragado) de tempo vencido.
            A poesia elementar (passada) representa, descreve, denota algo, enquanto que o canto absoluto transfigura tal representação, tal mimética.
            Ao impor transfiguração ao ser das coisas (do homem, dos objetos, da sociedade), a poesia absoluta adquire, ativa-se, reverte-se de significado espiritual (e não de mero sentido passivo), manifestando a substância desse ser em ação (no ato poético absoluto).
            A coisa a que dê forma (quaisquer que sejam a coisa e a forma, nunca forma fixa – e deletéria) deve significar, ou melhor, ser significativa de algo diferente (e não o mesmo – de sempre, do passado), sendo ao mesmo tempo e simultaneamente sinal e coisa. É a impregnação de um sentido além que conceda expressividade (algo mais do que o sentido contenha ou abarque).
            Eis o famigerado sentido do poema absoluto. Um sentido nunca imóvel, fixo, definitivo, vencido. Mas sentido em devir. Devendo, não devido (ou nos devidos termos burocráticos do poema relativo ao passado que vive vegetativamente até hoje). Não sentido dado, porém sempre construído, em conjunto, pelo poeta e seu leitor. Nunca um sentido dado de todo, portanto, mas um além-sentido. Que transporte em si – esse ultrassentido – a experiência viva, vital do tempo e assim universalize e atualize o espírito humano em transporte espaciotemporal. Só via Poesia Absoluta (nova forma nova) é possível manifestar-se a substância da época (revolucionária tecnologicamente) que vivemos.

Maritain
            Jacques Maritain (e Raíssa), em Situação da poesia, dizia certeiramente que a arte deve estar sempre apontada para o eterno e não datada.
            Em época de tantos sucessos, a poesia não pode ponderar o passado e tratar do que sucedeu, mas ultrapassar o futuro, pela veia do imaginário (ou via da “imaginaria”), e dizer, conotar, expressar o que sucederá (o que virá do por vir vindo).
            Poesia que não só fulgure o ser real, como também o possível de sê-lo.

            Resumo: Si le monde etait claire, l’art ne serais pas. (Albert Camus). 


_______________________________________________________________________


ULTRAFUTURO E ULTRAFUTURALISMO
Marcondes Torres Calazans

Aqui, por sua vez irei me arriscar estabelecer relacionalidade entre o termo cunhado por Vital Corrêa “Ultrafuro”, à expressão “Ultrafuturalismo”, usado por Friedrich Nietzsche quando profeticamente saudou a Europa em fins do século XIX, predizendo para a humanidade uma era de conflitos que diria sim ao animal bárbaro, ou mesmo selvagem, que existe dentro de nós, o qual nasceria em seu estado embrionário no século XIX, se projetando no século XX, e, se consolidando no século XXI.
O termo apontado pelo filósofo Nietzsche assinala para uma consequência óbvia de conflito gerada pelo que se convencionava chamar de futuro inevitável da humanidade caracterizada por gastos elevados na fabricação de armas e pela transformação das mortes em subproduto da indústria em grande escala.
A Europa estava em pleno auge de sua vitalidade criadora, com Sigmund Freud mostrando todo um universo que existe além da razão; Karl Marx explicando cientificamente o capitalismo a ponto de demoli-lo, a partir da denúncia do Estado como produto e instrumento de controle da classe dominante, e Van Goghe, através de sua arte atormentada, reclamando uma sociedade mais humana.
Em seu livro “As palavras e as coisas”, Michel Foucault para entrar no campo das terminologias, apresenta-nos a expressão “similitudes" que, para ele, é a escrita das coisas, e o ser da linguagem.
No termo, ele questiona sobre as assimilações perguntando e respondendo ao mesmo tempo:
 “a partir de qual a priori histórico foi possível definir o grande tabuleiro das identidades distintas que se estabeleceu sobre o fundo confuso, indefinido, sem fisionomia e como que indiferente, das diferenças? Daquilo que, para uma cultura é ao mesmo tempo interior e estranho, a ser, portanto excluído (para conjurar-lhe o perigo interior), encerrando-o, porém (para reduzir-lhe a alteridade); a história da ordem das coisas seria a história do Mesmo — daquilo que, para uma cultura, é ao mesmo tempo disperso e aparentado, a ser, portanto distinguido por marcas e recolhido em identidades”. (FOUCAULT, São Paulo, 2000)

Considerando o termo acima, podemos concluir que o “Ultrafuturo” de Vital Corrêa é o “presente das coisas presentes”, e o Ultrafuturalismo de Friedrich Nietzsche é o “presente das coisas futuras”, ou seja, tudo se resume no agora.
Os códigos fundamentais de uma cultura — aqueles que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas — fixam, logo de entrada, para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar.
Talvez seja isso...


___________________________________________________________________________
TRANSMUTAR OS VALORES E ELEVAR A POTÊNCIA DE AGIR

Jefferson Evânio (História/FAMASUL)

Dois termos e um problema incitam a reflexão sobre esta espécie de “encantamento’’ e/ou elevação poética do pensamento do Devir. Talvez esta seja uma forma de revelação do Sein hiddegeriano, ocultado há séculos pelas “nuvens escuras’’ de nossa “natureza agressiva’’ (Freud), nosso “animal selvagem’’ (Nietzsche) de natureza egoísta (Kant). Romper com o pensamento de um campo de experiência fundado no Idealismo platônico-aristotélico, cristalizado pela cristandade e seus pensadores (o grande nome aqui é Tomás de Aquino. Este, por sua vez, uma espécie de transfigurador da filosofia em arte escolástica, que a legitima, que a oferece o suporte teórico que a teologia necessita para ter cor), de fato, é um desafio, desafio aliás já aceito por pensadores de “agora’’ – o quanto o pensamento de Heráclito, Nietzsche, Spinoza, Shopenhauer, parece fundar toda esta transmutação da linguagem.
A transmutação de valores, tema relevante na filosofia a golpes de martelo de Nietzsche, indica um meio (forma), único caminho possível de vencer o que denomina de “advento do niilismo’’. Este nihil que percorre todas as células do exato oposto do Super-homemn nietzschiano, afundou em águas gélidas as possibilidades de Aurora, criou entre as temporalidades uma espécie de “mortificação do devir’’, sacralizou um recorte imoral do passado, fundando no Ser e em seu presente as profundas rupturas com a criatividade humana. 
Para tal efeito, recordando o grande Spinoza, resta-nos tão somente saber como? Spinoza responde decifrando aquilo que move nossas ações, o que chama de “potência de agir’’. O pensamento imbricado na ação, a energia que nos torna estrelas, brilhamos agora, vivos, não depois. A vida em Spinoza é local de inscrição da reflexão do espírito humano, e manifestação de sua energia vital através dos movimentos do corpo. Então, somos livres! E a angústia definida por Jean Paul Sartre nos acompanhará sempre. E isso é uma dádiva e não um problema! Espíritos livres e angustiantes, negadores da poética passada – e sacralizadora do outrora -, buscam romper com o que Halévy definiu tão bem com duas expressões: “tijolos elementares imutáveis’’ que são defendidos até a morte pela “necessidade psicótica pela rigidez’’. Necessidade que teme o indecifrável, que alimenta a forma do pensar cartesiano e nega toda a ruptura.
Pois bem, sendo a transmutação e a potência de agir os fundamentos últimos já apontados por Nietzsche e Spinoza para uma reconfiguração do pensar o homem e sua experiência “trágica’’ – ou seríamos capazes de discordar de Freud ao apontar as causas do sofrer humano; “a prepotência da natureza’’, a fragilidade dos corpos e a incapacidade dos códigos que regulam as nossas condutas?’’ Este terceiro ponto nos interessa bastante. Pois somos culpados pela nossa desgraça. A “poesia,’’ assim como a Arte, tem sido por muito tempo, como apontou Umberto Eco, um espaço fictício para a fuga da Angst, a arte é assim espaço imaginário onde só lá e em lugar nenhum se encontra uma Verdade e harmonia que o tempo e a realidade objetiva enterrou. Zygmunt Baumam nos convida a refletir ao afirmar que “banidas da realidade, as verdades só podem esperar encontrar sua segunda morada, exilada na morada da arte’’.
Não sendo permitido escrever mais, pois não consigo expressar neste espaço delimitado que me forçou a recortar trechos de meu escrito para a aceitação de sua postagem pela máquina! A palavra que gostaria de salientar e a ÉTICA. Problematização da transmutação de valores, espécie de “Super –eu” freudiano da potência do agir humano.
Transmutar os valores implica à elevação da potência de agir Spinozana. Implica em rasgar o véu da concepção escatológica de tempo/espaço, constitui-se em um novo modus operandi do agir humano. Eeste, por sua vez, imbricado no devir. Sendo o termo “ultrafuturo’’ compreendido aqui como espaço (forma) de desconstrução de uma temporalidade objetal, sentimental, ideológica e cultural dada; imutável, sólida e permanente, resta-me considerar a preocupação ética que advém de projeto realmente consistente. 
Pressuponho ser a preocupação ética essa espécie de “sombra psicológica’’, talvez em sua forma mais primitiva sob a supervisão e/ou vigilância do “Super-eu’’ freudiano, o elemento fundamental a toda transfiguração da relação entre Ser e Tempo. Aqui, nossa reflexão tem um alvo que ultrapassa a primeira pessoa, o Outro. O universo do outro – não sua relação com o tempo -, mas, contudo, o conteúdo ideativo de sua condição humana. Até onde nos é permitido compreender o “ultrafuturo,’’ aplicado na conceituação de uma “Poesia Absoluta’’, entendemos o fundamento de sua solidez, sobretudo, quando se propõe a indagar uma poesia que da mesma forma consideramos fria, presa em seus sentidos cristalizados pelo poder de uma outrora vigiada. Não obstante, a ética, compreendida em nosso tempo (e essa nada tem a ver com seu “mito fundador,’’ isto é, o pensamento grego, onde a ética encontrou na pessoa de Aristóteles sua mais perfeita tentativa em aliar o comportamento ao Cosmo), como uma inteligência compartilhada em busca da harmonia entre os homens, não pode desprender-se do “ultrafuturo’’, quando este, por sua vez, é transportado para a construção da realidade objetiva. Se esta é sua preocupação, evidentemente.
Se esta forma de arte intervém no plano da concretude humana, seja na relação entre Ser e Tempo, ou na forma como eles devem ser compreendidos, o universo do Outro é local de inscrição de certas categorias que nem o devir pode solapar. Universalizar a ruptura com certos objetos frios, por meio de um “ultrassentido’’ da Arte, pressupõe lembrar ao Outro a preocupação da primeira com a liberdade do segundo. 
Marc Halévy propõe esta reconfiguração da linguagem linear, hierarquizada, unívoca e presa a um passado/presente. Segundo este, nossa forma de representar o mundo deve ser “completada e superada por novas metalinguagens poéticas, metáforas e simbólicas’’. Neste espaço, a ética representada pelo universo do Outro reclama o respeito à vida de estruturas cansadas em ter a “alma de suas culturas’’ invadida pelo espectro de nossos desejos. Aqui, a preocupação em si é a vida, a liberdade que a poesia mais intelectiva (ultrafuturista), deve conceber a si mesma e ao espaço do não-dito, no plano da concretude, isto é, quando esta ultrapassa os espaços da “poesia imagética’’ e se propõe a problematizar a complexidade do real. “Vamos ao fundo do desconhecido para encontrar o novo’’ como escrevia Baudelaire. Afinal, como afirmou Nietzsche, “o que importa é a eterna vivacidade’’.
Talvez seja a ética o fundamento último do agir “ultrafuturo’’. Na poesia útil à vida, e à realidade objetiva, o que se propõem a ser o seu elemento mais viscoso e necessário.


Leia este texto também em:



10 comentários:

  1. O ULTRAFUTURO


    Aqui, por sua vez irei me arriscar estabelecer relacionalidade entre o termo cunhado por Vital Corrêa “Ultrafuro”, à expressão “Ultrafuturalismo”, usado por Friedrich Nietzsche quando profeticamente saudou a Europa em fins do século XIX, predizendo para a humanidade uma era de conflitos que diria sim ao animal bárbaro, ou mesmo selvagem, que existe dentro de nós, o qual nasceria em seu estado embrionário no século XIX, se projetando no século XX, e, se consolidando no século XXI.

    O termo apontado pelo filósofo Nietzsche, assinala para uma consequência óbvia de conflito gerada pelo que se convencionava chamar de futuro inevitável da humanidade caracterizada por gastos elevados na fabricação de armas e pela transformação das mortes em subproduto da indústria em grande escala.

    A Europa estava em pleno auge de sua vitalidade criadora, com Sigmund Freud mostrando todo um universo que existe além da razão; Karl Marx explicando cientificamente o capitalismo a ponto de demoli-lo, a partir da denúncia do Estado como produto e instrumento de controle da classe dominante, e Van Goghe, através de sua arte atormentada, reclamando uma sociedade mais humana.

    Em seu livro “As palavras e as coisas”, Michel Foucault para entrar no campo das terminologias, apresenta-nos a expressão “similitudes"; que, para ele é a escrita das coisas, e o ser da linguagem.

    No termo, ele questiona sobre as assimilações perguntando e respondendo ao mesmo tempo: “a partir de qual a priori histórico foi possível definir o grande tabuleiro das identidades distintas que se estabeleceu sobre o fundo confuso, indefinido, sem fisionomia e como que indiferente, das diferenças? Daquilo que, para uma cultura é ao mesmo tempo interior e estranho, a ser, portanto excluído (para conjurar-lhe o perigo interior), encerrando-o, porém (para reduzir-lhe a alteridade); a história da ordem das coisas seria a história do Mesmo — daquilo que, para uma cultura, é ao mesmo tempo disperso e aparentado, a ser, portanto distinguido por marcas e recolhido em identidades”. (FOUCAULT, São Paulo, 2000)

    Considerando o termo acima podemos concluir que o “Ultrafuturo” de Vital Corrêa, é o “presente das coisas presentes”, e o Ultrafuturalismo de Friedrich Nietzsche, é o “presente das coisas futuras”, ou seja, tudo se resume no agora.

    Os códigos fundamentais de uma cultura — aqueles que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas — fixam, logo de entrada, para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar.

    Talvez seja isso...






    ResponderExcluir
  2. Transmutar os Valores e elevar a Potência de agir

    Dois termos e um problema incitam a reflexão sobre esta espécie de “encantamento’’ e/ou elevação poética do pensamento do Devir. Talvez esta seja uma forma de revelação do Sein hiddegeriano, ocultado a séculos pelas “nuvens escuras’’ de nossa “natureza agressiva’’ ( Freud ), nosso “animal selvagem’’ ( Nietzsche ) de natureza egoísta ( Kant). Romper com o pensamento de um campo de experiência fundado no Idealismo platônico –aristotélico, cristalizado pela Cristandade e seus pensadores ( o grande nome aqui é Tomás de Aquino, este por sua vez, uma espécie de transfigurador da filosofia em arte escolástica, que a legitima, que a oferece o suporte teórico que a teologia necessita para ter cor ), de fato é um desafio, desafio aliás já aceito por pensadores de “agora’’ – o quanto o pensamento de Heráclito, Nietzsche, Spinoza, Shopenhauer, parece fundar toda esta transmutação da linguagem.
    A transmutação de valores, tema relevante na filosofia a golpes de martelo de Nietzsche, indica um meio ( forma ), único caminho possível de vencer o que denomina de “advento do niilismo’’. Este nihil que percorre todas as células do exato oposto do Super-homemn nietzschiano, afundou em águas gélidas as possibilidades de Aurora, criou entre as temporalidades uma espécie de “mortificação do devir’’, sacralizou um recorte imoral do passado, fundando no Ser e em seu presente as profundas rupturas com a criatividade humana.
    Para tal efeito, recordando o grande Spinoza resta-nos tão somente saber como? Spinoza responde decifrando aquilo que move nossas ações, o que chama de “potência de agir’’. O pensamento imbricado na ação, a energia que nos torna estrelas, brilhamos agora, vivos, não depois. A vida em Spinoza é local de inscrição da reflexão do espírito humano, e manifestação de sua energia vital através dos movimentos do corpo. Então somos livres! E a angústia definida por Jean Paul Sartre nos acompanhará sempre. E isso é uma dádiva e não um problema! Espíritos livres e angustiantes, negadores da poética passada – e sacralizadora do outrora -, buscam romper com o que Halévy definiu tão bem com duas expressões: “tijolos elementares imutáveis’’ que são defendidos até a morte pela “ necessidade psicótica pela rigidez’’. Necessidade que teme o indecifrável, que alimenta a forma do pensar cartesiano e nega toda a ruptura.
    Pois bem, sendo a transmutação e a potência de agir os fundamentos últimos já apontados por Nietzsche e Spinoza para uma reconfiguração do pensar o homem e sua experiência “trágica’’ – ou seríamos capazes de discordar de Freud ao apontar as causas do sofrer humano; “ a prepotência da natureza’’, a fragilidade dos corpos e a incapacidade dos códigos que regulam as nossas condutas’’ ? Este terceiro ponto nos interessa bastante. Pois somos culpados pela nossa desgraça. A “poesia’’ assim como a Arte tem sido por muito tempo, como apontou Umberto Eco, um espaço fictício para a fuga da Angst, a arte é assim espaço imaginário onde só lá e em lugar nenhum se encontra uma Verdade e harmonia que o tempo e a realidade objetiva enterrou. Zygmunt Baumam nos convida a refletir ao afirmar que “banidas da realidade, as verdades só podem esperar encontrar sua segunda morada, exilada na morada da arte’’.
    Não sendo permitido escrever mais, pois não consigo expressar neste espaço delimitado que me forçou a recortar trechos de meu escrito para a aceitação de sua postagem pela máquina! A palavra que gostaria de salientar e a ÉTICA. Problematização da transmutação de valores, espécie de “Super –eu” freudiano da potência do agir humano.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito grato, Jefferson Evânio, por sua participação.

      Como você mesmo disse, foi forçado a “recortar trechos de meu escrito para a aceitação de sua postagem pela máquina!” Contudo, podemos fazer com que a máquina se sujeite aos nossos caprichos. Desta maneira: publique o restante de seu comentário, como nova postagem. A sua contribuição é fundamental para o debate em tela, inclusive, gostaria que você adentrasse o fio condutor da discussão, mais precisamente sobre o termo ultrafuturismo, onde se percebe que suas ideias vão desaguar.

      Excluir

    2. Transmutar os valores implica à elevação da potência de agir Spinozana. Implica em rasgar o véu da concepção escatológica de tempo/espaço, constitui-se em um novo modus operandi do agir humano, este por sua vez, imbricado no devir. Sendo o termo “ultrafuturo’’ compreendido aqui como espaço (forma) de desconstrução de uma temporalidade objetal, sentimental, ideológica e cultural dada; imutável, sólida e permanente, resta-me considerar a preocupação ética que advém de projeto realmente consistente.
      Pressuponho ser a preocupação ética essa espécie de “sombra psicológica’’, talvez em sua forma mais primitiva sob a supervisão e/ou vigilância do “Super –eu’’ freudiano, o elemento fundamental a toda transfiguração da relação entre Ser e Tempo. Aqui nossa reflexão tem um alvo que ultrapassa a primeira pessoa, o Outro. O universo do outro – não sua relação com o tempo -, mas, contudo o conteúdo ideativo de sua condição humana. Até onde nos é permitido compreender o “ultrafuturo’’ aplicado na conceituação de uma “Poesia Absoluta’’, entendemos o fundamento de sua solidez, sobretudo, quando se propõe a indagar uma poesia que da mesma forma consideramos fria, presa em seus sentidos cristalizados pelo poder de uma outrora vigiada. Não obstante, a ética, compreendida em nosso tempo ( e essa nada tem haver com seu “mito fundador’’ isto é, o pensamento grego, onde a ética encontrou na pessoa de Aristóteles sua mais perfeita tentativa em aliar o comportamento ao Cosmo ) , como uma inteligência compartilhada em busca da harmonia entre os homens, não pode desprender-se do “ultrafuturo’’, quando este por sua vez, é transportado para a construção da realidade objetiva. Se esta é sua preocupação, evidentemente.

      Se esta forma de arte intervém no plano da concretude humana, seja na relação entre Ser e Tempo, ou na forma como eles devem ser compreendidos, o universo do Outro é local de inscrição de certas categorias que nem o devir pode solapar. Universalizar a ruptura com certos objetos frios, por meio de um “ultra-sentido’’ da Arte, pressupõe lembrar ao Outro a preocupação da primeira com a liberdade do segundo.

      Marc Halévy propõe esta reconfiguração da linguagem linear, hierarquizada, unívoca e presa a um passado/presente. Segundo este nossa forma de representar o mundo deve ser “completada e superada por novas metalinguagens poéticas, metáforas e simbólicas’’. Neste espaço a ética representada pelo universo do Outro reclama o respeito à vida de estruturas cansadas em ter a “alma de suas culturas’’ invadida pelo espectro de nossos desejos. Aqui a preocupação em si é a vida, a liberdade que a poesia mais intelectiva (ultrafuturista), deve conceber a si mesma e ao espaço do não-dito, no plano da concretude, isto é, quando esta ultrapassa os espaços da “poesia imagética’’ e se propõe a problematizar a complexidade do real. “Vamos ao fundo do desconhecido para encontrar o novo’’ como escrevia Baudelaire. Afinal como afirmou Nietzsche “o que importa é a eterna vivacidade’’.

      Talvez seja a ética o fundamento último do agir “ultrafuturo’’. Na poesia útil à vida, e à realidade objetiva, o que se propõem a ser o seu elemento mais viscoso e necessário.

      Excluir
    3. Mestre Admmauro Gommes, quero agradecer pela oportunidade em expor aqui minhas ideias, talvez em sua forma primitiva. Considero relevante pedir desculpas por eventuais equívocos de minha pessoa em relação ao tema central desta discussão.

      Excluir
  3. Mestre Evânio, suas argumentações foram profundas e pertinentes, sendo necessário dizer ser apenas o começo de grandes e inesgotáveis discussões acaloradas pela necessidade infindável em ampliar o debate em temas que tão pouco são os que se arriscam aventurar-se. Aqui, não discutimos o óbvio, o já pronto e dito na redundância compulsiva de alguns que insistem em adotar o princípio da fita gravada apontada por Jiddu Krishnamurti. Publique o que resta do texto como continuação, pois se a primeira parte foi muito boa, imagino a segunda!

    ResponderExcluir
  4. Mestre Marcondes, postei a segunda parte de meu humilde comentário. Quero agradecer-lhe pelo convite em arriscar-me neste território onde encontro uma complexidade poética reconfigurada, e sobretudo, sendo-me resguardado a oportunidade de comentar a respeito.
    Muito obrigado.

    ResponderExcluir
  5. Ilustre Mestre Admmauro Gommes, achei por necessário e tomei a liberdade em transformar meus comentários aqui expostos - adicionando poucas palavras - em "artigo'' contendo três laudas e publicá-lo em meu humilde blog. Busquei tão somente expor aos meus colegas e amigos a temática proposta, como forma de instigá-los a leitura de sua vasta obra e de Vital Correia.
    Muito grato!

    ResponderExcluir
  6. Jefferson:

    A grandeza de sua visão de mundo só vem enriquecer este debate.
    Parabéns pelas colocações tão pertinentes e aguçado olhar analítico.

    Mais uma vez, muito grato por sua contribuição.

    ResponderExcluir
  7. Admmauro Gommes, Ilustre mestre, eu que agradeço pela oportunidade e, sobretudo, por postar meus escritos em seu espaço!
    Muito obrigado.

    ResponderExcluir