28 de março de 2017

A CULTURA DO INSTANTÂNEO

Admmauro Gommes
Poeta, cronista e professor de Teoria Literária
admmaurogommes@hotmail.com

Viver em sintonia com os dias atuais implica adotar a cultura do instantâneo. Assim, objetos e pessoas passam a ser descartáveis, em nome de um consumismo desenfreado e momentâneo. Uma operação plástica, por exemplo, nem sempre acontece para corrigir lesão ou defeito mas para colocar o corpo em evidência, conforme um padrão anunciado, na semana passada.
A última palavra da moda caracteriza-se pela rejeição absoluta do modelo anterior. Os valores morais e éticos também são substituídos com uma velocidade muito grande. O que ontem parecia consenso, hoje, se transmuta com rapidez exatamente em direção oposta. E a intenção é nítida: confundir a mente da geração que se forma em torno das incertezas. Tudo é relativo e nada tem importância diante dos interesses pessoais.
O problema é que ninguém percebe, ao certo, para onde se está indo. Mesmo assim, muitos se colocam na condição de mentores, dirigentes, sem saber o caminho a seguir, e continuam arrastando outros para suas dúvidas. Ainda que se entenda que a influência imediata sempre foi absorvida por todas as recentes gerações, no momento atual, se um determinado líder descobrir que palmilhou por muito tempo um caminho torto, distorcido, e de repente mudar de partido político, a multidão que lhe acompanha fica dispersa, descartada. E uma nova bandeira ideológica é erguida pelas mesmas mãos que manipularam o engano. Assim, esquecemos com brevidade coisas perenes.
Sem perceber, trouxemos para a vida cotidiana as regras rígidas da ditadura da moda e da mídia. A internet tem influência direta nas mudanças de nosso tempo. Um lançamento de um produto chega em tempo real através dos smartphones. Aliás, um novo modelo do celular faz com que eu me aborreça com o que atualmente possuo, mesmo que esse seja eficiente e esteja atendendo todas as minhas necessidades. 
Deste modo, a propaganda abusiva produz efeito destruidor sobre a tradição, ao tempo que promove enorme encantamento para que todos descartem os seus pertences. Nas últimas décadas, jogamos fora os discos (Long Play, o LP). Colocamos em seu lugar o CD. Agora estão querendo nos convencer que voltar a usar LP é algo fascinante, pois se adota uma cultura retrô. 
Não é que devamos ser retrógrados e viver somente do passado mas é bom ponderar as situações propostas do mundo contemporâneo quando alteram a nossa condição de vida. Isso deve ser algo a se pensar: Por que rejeitarmos aquilo que tanto prezamos e o que tem apresentado efeito positivo por comprovados longos anos? Na época em que tudo se dissolve com muita facilidade, nem os amores são feitos para durar. Irremediavelmente, depois que descartarmos tudo que estimamos, seremos descartados pela mesma força instantânea que nos cerca e nos impulsiona para o descarte.


                                                                                                                         

11 comentários:

  1. Caro Gommes, gostei muito de sua crônica, “A cultura do instantâneo”, que diz bem do mundo maluco que vivemos. Uma análise sobre a cultura do instantâneo no Brasil teria além da Internet, do Smartphone, que está em todos os lugares reunindo um grande número de idiotas deslisando o dedo naquela telinha, ao lado dos amigos e amigas (às vezes ao lado dos pais, em algum restaurante, sem nenhuma conversa, apenas a maldita telinha do Smartphone). Para mostrar o mundo real do Brasil teríamos que mostrar a cara dos deputados estaduais e federais, senadores, ministros da República, ministros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas, e assim por diante. Uma loucura, que faria Freud enlouquecer.
    Um abraço.

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    1. Prezado Pedro Luso:

      Agradeço sua atenção aos meus escritos, ao tempo em que verifico que a mesma percepção que tenho sobre a fugacidade das coisas também ressoa em sua visão de mundo. Seu comentário, além de ilustrar o meu, serve muito bem de adendo ou desfecho. Grato por sua contribuição.

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  2. Caro Admmauro!
    O seu texto nos anima para a distinção, sobremaneira, entre o relativismo filosófico que parece estar presente e desejo de dominar os tempos presentes e a teoria da relatividade do físico Einstein. Mais das vezes, confundem-se essas formulações mas que são bem distintas.
    De maneira telegráfica, podemos afirmar que o relativismo filosófico expressa um modo de viver e de ver o mundo. A teoria da relatividade conduz às profundezas das relações das partículas subatômicas da matéria - o seu comportamento onda e matéria.
    É bom uma conversa com algum filósofo ou algum físico para um maior aprofundamento das distâncias entre ambas formulações.
    O seu texto provoca essa busca e traduz, de forma real, o que estamos vivendo nos tempos atuais. abraços.

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    1. Meu caro José de Melo:
      Seu comentário amplia o propósito dessa discussão ao apontar a necessidade de um aprofundamento filosófico. A ideia de escrever o texto em tela foi essa mesma, provocar os ânimos e investigar como a nossa geração se desencontra dentro de seu próprio tempo. É que às vezes o poeta se incomoda com o estado distorcido das coisas e avança na direção filosófica. Vamos continuar instigando e provocando. Quiçá apareçam outros pensadores que possam participar deste debate. Agradeço por sua contribuição.

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  3. josé francisco de melo neto2 de abril de 2017 às 10:08

    prof. josé de melo neto

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  4. Professor, estaria o pragmatismo pós moderno nos a uma sociedade a uma sociedade que está perdendo a noção do tempo?

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    1. O tempo, caríssimo Edjailson, é pura abstração. Há quem diga até que nem todos percebem a noção de tempo igualmente. Parece que um dia de 24 horas representa bem mais para quem se organiza dentro do tempo. Mas o certo é que a nossa pós-modernidade depois de quebrar o padrão das coisas, quebrou-se, também. Aí se inclui a quebra, ou melhor, a distorcida percepção de tempo.

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  5. Dileto Prof e irmão em Cristo Admmauro.
    Sua reflexão traduz perfeitamente a relação humana pós-moderna, analisada do ponto de vista sociológica por Zygmunt Bauman (1925-2017), influente sociólogo polonês que trabalha a perspectiva da sociedade líquida.
    De fato essa flexibilidade relacional produz de modo sistêmico fragilidades e superficialidades em todos os níveis da vida humana.
    Parafraseando Bauman: "as relações escorrem pelo vão dos dedos".

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    1. Meu prezado irmão Bartolomeu Antônio:

      Seu texto ilumina o tema discutido, ao citar Zygmunt Bauman. A propósito, na modernidade líquida, acontece o fim das utopias, onde o ser humano se encontra vazio de sonhos e perspectivas. Os ideais deixam de ser perenes, ou simplesmente não mais existem. Então, sobra o fugaz, o instantâneo. Isto pode ser observado nas artes, a exemplo da música de péssima qualidade que é produzida nos nossos dias como MPB (?), tão passageira e descartável quanto pobre. Se não tivermos cuidado, poderemos tornar a nossa existência sem sentido. Para Lembrar Mário Sérgio Cortella, 'a vida é curta mas não precisa ser pequena.'

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  6. Alguns pontos relevantes nesta reflexão posta pelo poeta, Admauro Gomes,nos leva a digerir algumas questões que são prerrogativas desse mundo moderno.
    A "Cultura do instantâneo", do descartável, do momentâneo, implica, sobretudo, na cultura da alienação, onde as pessoas escolhem apenas aquilo que lhes promovem na sociedade, mantendo-se inclusas na esperança de receber o título de pessoa "atual e evoluída",isto é, aquele que não acompanha a progressão, sobretudo, da tecnologia, se compromete com a sua própria desvalorização, em um mundo onde todos são obrigados a evoluir, sem ao menos terem tempo para refletir o porquê de algo ainda util perder o seu valor à medida que o novo aparece.
    É lamentável este processo evolutivo, pois mesmo cientes que evoluir é preciso, o ser humano sem perceber regride,uma vez que a imposição de acompanhar as tendências e de descartar as coisas, simultaneamente, tira a nossa capacidade de refletir e de questionar. Desse modo, se desenvolve à cultura instantânea que por sua vez, promove uma nova cultura: A cultura da alienação, onde o seu juízo de valor é feito a partir do que você tem e não mais pelo o que você é.(representação de valores)

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    1. Caríssima Romilda:

      Que bom ler seu comentário. A propósito, a alienação dos nossos dias é preocupante, pois atinge todas as camadas sociais. Sem perceber, é possível alguém incauto divulgar o fugaz e o desprezível. Neste caso, a dita evolução pode ser ‘involução.”

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