13 de maio de 2014

PALESTRA COM VITAL CORRÊA NA FAMASUL

O POETA VCA PROFERE PALESTRA SOBRE A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E OS CAMINHOS DA NOVA VERSIFICAÇÃO

Vital Corrêa de Araújo







































VITAL CORRÊA E A BUSCA PELO DESCONHECIDO
Caio Vitor Lima (Letras/FAMASUL)

(...) “Se você conseguir, num poema, que a primeira linha não tenha nada a ver com a segunda, você estará chegando em algum lugar como poeta. Esta frase, se fosse proferida numa conferência para defensores da poesia tradicional, é bem possível que causasse um frisson generalizado ou ataques de histeria coletiva nos ouvintes. Felizmente,
Caio Vitor
essa sentença provocativa fora lançada a um grupo de estudantes de Letras da Famasul, na noite de 14 de maio, na Sala de Multimeios da faculdade. Habituados (ou habituando-se) a um discurso inovador sobre o fazer poético nas aulas de Literatura, as pitorescas ideias do poeta pernambucano Vital Corrêa de Araújo, entre os alunos do curso, já não parecem tão mirabolantes: ultrapassaram a primeira fase do susto, a segunda fase da rejeição instintiva e, finalmente, alcançaram a abertura de espírito necessária às novas concepções de Arte.
Em Vital, o radicalismo dos enunciados nunca encontra limites: “Sabem como procurar um bom livro de poesia na biblioteca?”, perguntou à jovem plateia de universitários, bastante curiosa para ouvir mais uma de suas imprevisíveis respostas. “Basta abri-lo em qualquer página: se o primeiro poema que encontrar tiver rima e sentido fácil, devolva o livro para a estante: não vale nada!”. Um pouco surpresos, mas já acostumados com o estilo cáustico e irreverente do poeta, os alunos indagaram-no, entre outras questões, de o porquê dele rejeitar, com tanta veemência, a produção dos artistas brasileiros de outras épocas literárias. “Porque os textos que eles produziram, presos à dureza das formas tradicionais, cansam a mente, fazem a gente dormir, ficar deprimido. Somente o texto livre e complexo instiga e expande o cérebro”, respondeu sem cerimônias.

Vital Corrêa de Araújo ao lado de Admmauro Gommes. No detalhe, os professores 
João Constantino, Wilson Santos e Diego Moreira.
Mais comedido, mas seguindo a mesma linha de raciocínio, o professor Admmauro Gommes (“intérprete” de Vital, como brincou o professor Wilson Santos) argumentou que o foco da questão não é discutir a qualidade de “um Machado de Assis”, por exemplo, mas ter a clareza de que colocá-lo como referência única do que seja boa Literatura, em qualquer época, é leviano: “É preciso entender que cada artista escreve para o seu tempo”, sentenciou.
Como se sabe, o argumento de que a Literatura não deve ficar presa à excessiva formalidade dos escritores e poetas tradicionais do passado não está na agenda do dia desde ontem: a Semana de Arte Moderna de 1922, por exemplo, já defendia uma arte literária alforriada das algemas formalistas do Parnasianismo e entregue à “libertinagem” dos versos brancos e livres. A guerra contra a escansão poética, desde aquele momento, estava declarada. A partir daí, novas experiências estéticas foram testadas e um caminho alternativo à concepção de poesia até então em vigência surgia no horizonte dos poetas modernistas. Ora, se essa discussão já não é assim tão recente, o que há de tão original no chamado Neoposmodernismo de Vital Corrêa? Que quebra de paradigmas ele nos propõe nesse contexto?
A resposta é simples: para Vital, não basta que a poesia esteja apenas dissociada do formalismo tradicional, do ritmo marcado e da rima escolhida, como defendiam os poetas de 1922. É preciso também (e principalmente) promover a liberdade absoluta do sentido, divorciar a palavra poética de seu conceito previsível e dar-lhe o livre-arbítrio de significar qualquer coisa que a imaginação consiga conceber - inclusive coisa nenhuma. “Quando entendem o que escrevo em meus poemas, sinto que o meu texto perde o valor”, costuma lamentar o poeta. Para ele, a poesia só é válida se for plenamente absoluta, ou seja, se o grau de sofisticação da metáfora atingir o nível máximo de intensidade, como diria Ezra Pound.
Na visão do professor João Constantino, chefe do Departamento de Letras da Famasul, a estranheza deliberada da poesia de Vital Corrêa deve ser encarada como reflexo de uma sociedade em que a racionalidade vem perdendo o sentido. Em outras palavras, se a sociedade apresenta situações que a razão não consegue conceber com clareza, uma arte poética que reflita essa realidade não pode, por tabela, ser plenamente acessível ao entendimento. “Em uma sociedade que permite que, numa mesma cidade em que indigentes nascem, crescem e morrem no lixo, haja clínicas psicológicas para cachorros, como exigir que a arte que a reflita seja simples e compreensível?”, questionou. A poesia de Vital, na visão do professor Constantino, seria um grito insano contra a insanidade da vida real.
Universitários do Curso de Letras participam do debate sobre a nova poética
Algumas pessoas poderiam render-se ao velho clichê de classificar Vital Corrêa de Araújo como um “poeta à frente de seu tempo”. Nada pode ser mais falso! Vital sempre procura ser um poeta do seu tempo, um artista do hoje, do aqui e do agora. Sua intenção não é construir um estilo visionário de poesia, que lance o desejo de liberdade poética somente às futuras gerações. Seu público-alvo são os leitores e os poetas contemporâneos, sua proposta militante é salvar a atual geração do tradicionalismo obsoleto e abrir um novo trajeto para outras possibilidades de criação artística.
Mas Vital, por esse caminho inovador, não pretende seguir sozinho: quer levar consigo os que estão dispostos e com coragem de descobrir o sabor doce e amargo do desconhecido. Acompanhá-lo nessa empreitada é, no mínimo, uma proposta tentadora.




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