O POETA VCA PROFERE PALESTRA SOBRE A
LITERATURA CONTEMPORÂNEA E OS CAMINHOS DA NOVA VERSIFICAÇÃO
Vital Corrêa de Araújo |
VITAL CORRÊA E A BUSCA PELO DESCONHECIDO
Caio Vitor Lima (Letras/FAMASUL)
(...)
“Se
você conseguir, num poema, que a primeira linha não tenha nada a ver com a
segunda, você estará chegando em algum lugar como poeta”. Esta frase, se
fosse proferida numa conferência para defensores da poesia tradicional, é bem
possível que causasse um frisson generalizado ou ataques de histeria coletiva nos
ouvintes. Felizmente,
essa sentença provocativa fora lançada a um grupo de
estudantes de Letras da Famasul, na noite de 14 de maio, na Sala de Multimeios
da faculdade. Habituados (ou habituando-se) a um discurso inovador sobre o
fazer poético nas aulas de Literatura, as pitorescas ideias do poeta
pernambucano Vital Corrêa de Araújo, entre os alunos do curso, já não parecem
tão mirabolantes: ultrapassaram a primeira fase do susto, a segunda fase da
rejeição instintiva e, finalmente, alcançaram a abertura de espírito necessária
às novas concepções de Arte.
Caio Vitor |
Em
Vital, o radicalismo dos enunciados nunca encontra limites: “Sabem como procurar um bom livro de poesia
na biblioteca?”, perguntou à jovem plateia de universitários, bastante
curiosa para ouvir mais uma de suas imprevisíveis respostas. “Basta abri-lo em qualquer página: se o
primeiro poema que encontrar tiver rima e sentido fácil, devolva o livro para a
estante: não vale nada!”. Um pouco surpresos, mas já acostumados com o
estilo cáustico e irreverente do poeta, os alunos indagaram-no, entre outras
questões, de o porquê dele rejeitar, com tanta veemência, a produção dos
artistas brasileiros de outras épocas literárias. “Porque os textos que eles produziram, presos à dureza das formas
tradicionais, cansam a mente, fazem a gente dormir, ficar deprimido. Somente o
texto livre e complexo instiga e expande o cérebro”, respondeu sem
cerimônias.
Vital Corrêa de Araújo ao lado de Admmauro Gommes. No detalhe, os professores João Constantino, Wilson Santos e Diego Moreira. |
Mais
comedido, mas seguindo a mesma linha de raciocínio, o professor Admmauro Gommes
(“intérprete” de Vital, como brincou o professor Wilson Santos) argumentou que
o foco da questão não é discutir a qualidade de “um Machado de Assis”, por
exemplo, mas ter a clareza de que colocá-lo como referência única do que seja
boa Literatura, em qualquer época, é leviano: “É preciso entender que cada artista escreve para o seu tempo”,
sentenciou.
Como
se sabe, o argumento de que a Literatura não deve ficar presa à excessiva
formalidade dos escritores e poetas tradicionais do passado não está na agenda
do dia desde ontem: a Semana de Arte Moderna de 1922, por exemplo, já defendia
uma arte literária alforriada das algemas formalistas do Parnasianismo e
entregue à “libertinagem” dos versos brancos e livres. A guerra contra a
escansão poética, desde aquele momento, estava declarada. A partir daí, novas
experiências estéticas foram testadas e um caminho alternativo à concepção de
poesia até então em vigência surgia no horizonte dos poetas modernistas. Ora,
se essa discussão já não é assim tão recente, o que há de tão original no
chamado Neoposmodernismo de Vital
Corrêa? Que quebra de paradigmas ele nos propõe nesse contexto?
A
resposta é simples: para Vital, não basta que a poesia esteja apenas dissociada
do formalismo tradicional, do ritmo marcado e da rima escolhida, como defendiam
os poetas de 1922. É preciso também (e principalmente) promover a liberdade absoluta do sentido,
divorciar a palavra poética de seu conceito previsível e dar-lhe o livre-arbítrio
de significar qualquer coisa que a imaginação consiga conceber - inclusive
coisa nenhuma. “Quando entendem o que escrevo
em meus poemas, sinto que o meu texto perde o valor”, costuma lamentar o
poeta. Para ele, a poesia só é válida se for plenamente absoluta, ou seja, se o
grau de sofisticação da metáfora atingir o nível máximo de intensidade, como
diria Ezra Pound.
Na
visão do professor João Constantino, chefe do Departamento de Letras da
Famasul, a estranheza deliberada da poesia de Vital Corrêa deve ser encarada
como reflexo de uma sociedade em que a racionalidade vem perdendo o sentido. Em
outras palavras, se a sociedade apresenta situações que a razão não consegue
conceber com clareza, uma arte poética que reflita essa realidade não pode, por
tabela, ser plenamente acessível ao entendimento. “Em uma sociedade que permite que, numa mesma cidade em que indigentes
nascem, crescem e morrem no lixo, haja clínicas psicológicas para cachorros,
como exigir que a arte que a reflita seja simples e compreensível?”, questionou.
A poesia de Vital, na visão do professor Constantino, seria um grito insano
contra a insanidade da vida real.
Universitários do Curso de Letras participam do debate sobre a nova poética |
Mas
Vital, por esse caminho inovador, não pretende seguir sozinho: quer levar
consigo os que estão dispostos e com coragem de descobrir o sabor doce e amargo
do desconhecido. Acompanhá-lo nessa empreitada é, no mínimo, uma proposta
tentadora.
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