15 de junho de 2012

ARTIGOS SOBRE LUIZ GONZAGA


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SEMELHANTE À ESTRUTURA DOS TEXTOS SEGUINTES
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Ednaldo Portela

AS NARRATIVAS DA VIDA SIMPLES
NA LINGUAGEM POPULAR DE LUIZ GONZAGA

Ednaldo Portela S. Moura (Letras/FAMASUL).


O Rei do Baião ou o mito Luiz Gonzaga, pai de Gonzaguinha como ele costumava frisar, foi um mestre no arranjo das invenções da Música Popular Nordestina repleta de coco, xaxado, xote, forró tradicional e o baião, onde todos esses estilos foram implementados de versos matutos e escancaradamente de características incomparáveis. Na sua longa trajetória na música, cantou alegrias, tristezas, denunciou as injustiças dos homens, louvou a devoção aos santos e principalmente narrou o problema da seca do Sertão pernambucano. Suas músicas comportam a essência mais autêntica do que realmente viveu aquilo que cantou. Em muitos dos seus relatos, sua vida era sua obra, e sua obra foi eternizada no seu ofício de louvar a vida de uma maneira simples, dizendo aquilo que por experiência carregava na memória e perpetuava no que cantava.  Na visão de estudiosos, como Terra (2001: 22 e 23),
“É importante afirmar que só falava e escrevia bem quem seguisse o padrão imposto pela gramática normativa o chamado nível ou padrão formal culto. Porem, no contemporâneo observa-se que existe outra linguagem, aquela utilizada pelos falantes segundo os linguistas”. 
Nota-se, contudo, que esse tipo de linguagem é muito frequente nas composições do Rei do Baião e de seus parceiros e compositores, chegando até a ultrapassar os limites da normalidade virando assim, uma marca desse artista que extraia das lições de vida, histórias amatutadas chamadas de causos, que no mínimo, surgia como uma nova expressão artística dentro de uma que já era por natureza, a sua maior marca: A música. Podemos tomar a título exemplificativo os excessos que se seguem na música “Pau de Arara” (GONZAGA e MORAIS) que além de retratar muito claramente sua vida simples, narra sua trajetória na história da música para a vida e da sua vida:

“Quando eu vim do sertão seu moço
Do meu bodocó
A maloca era um saco
E o cadeado era o nó
Só trazia a coragem e a cara
Viajando num pau de arara
Eu penei, mas aqui cheguei
Trouxe o triângulo
Trouxe o gonguê
Trouxe o zabumba
Dentro do matulê
Xote, maracatu e baião
Tudo isso eu trouxe no meu matulão...”

Nas expressões utilizadas nas artes musicais podem ser percebidas claramente, narrativas da vida simples do povo da sua terra. A abordagem é do ponto de vista de quem viveu tal realidade pela intimidade que a letra demonstra ao falar dos seus pertences do dia a dia, de alguma saudade que se faz presente e principalmente, palavras ditas na linguagem simples, ou mesmo, regional. É por isso que segundo a concepção de Ferreira (1987), em duas de suas definições da palavra arte assim se expressa:

atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de espírito, de caráter estético, carregados de vivência pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação»...; «a capacidade criadora do artista de expressar ou transmitir tais sensações ou sentimentos....
Luiz Gonzaga, na sua simplicidade tipicamente de quem viveu diante de uma realidade de sofrimento no Sertão pernambucano em tempos de fome e miséria, exprime em suas composições justamente o que Ferreira (1987) define com relação à arte, pois dentro de uma linguagem artística tão complexa, que é a musica, ele utiliza exemplos da sua vida pessoal destacando, por exemplo, a saudade, que se trata de uma sensação ou um sentimento que é “a capacidade criadora do artista de expressar...”
Podemos ainda perceber as influências da vida do Rei do Baião, quando em algumas das suas canções, ele retrata a alegria em poder viver uma vida simples explorando principalmente a memória da sua infância ou o desejo de conseguir concretizar o sonho de tempos distantes nas músicas. Nas músicas “Asa Branca” (GONZAGA e TEIXEIRA) e Riacho do Navio” (DANTAS e GONZAGA), percebe-se claramente a típica linguagem do sanfoneiro e sua história em tempos de seca, fazendo alusão a duas situações distintas, ambas com características adversas, mas que frisou a realidade de um sonho duplo: de partir e de ficar. Numa,  a tristeza pela seca e pela sua ída ao mundo civilizado, como é clara a a firmação em Riacho do Ravio, outra, a narrativa de uma realidade de sofrimento e êxodo da sua terra natal: 
“Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de plan-ta-ção
(Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede, meu alazão)
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do  sertão
(entonce eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração)

“Há se eu fosse um peixe
Ao contrário do rio
Nadava contra as águas
E nesse desafio
Saía lá do mar pro
Riacho do Navio
Saía lá do mar pro
Riacho do Navio
Pra ver o meu brejinho
Fazer umas “caçada”
Ver as "pegá" de boi
Andar nas vaquejada
Dormir ao som do “chucái”
E acordar “cás” “passarada”
Sem rádio e nem “nutiça”
Das “terra” “civilizada”
Sem rádio e nem “nutiça”
Das “terra” “civilizada”


               Apreciando algumas narrativas históricas, podemos compreender o movimento da cultura musical, como sendo uma das formas mais complexas de expressão artística, pois abrange os aspectos referentes aos problemas sociais, envolvendo nela outras linguagens artísticas como o teatro e a dança, além de poder atingir todas as camadas sociais sem distinção nem como dizia ele “Sem pra que isso” (GONZAGA, 1994).  O zabumba, o triangulo, a sanfona, as vestimentas típicas, o gibão, o seu típico chapéu de couro demonstra a abrangência folclórica que esse mestre do Sertão pernambucano representa. Segundo Gaertner (2010),

Na música isto ocorre nas mais variadas instâncias, desde os esforços de apreciação artística até a aquisição da expertise instrumental. Porém, não é raro que, na transmissão do discurso histórico, os questionamentos historiográficos passem despercebidos (...) através de exemplos tradicionais do discurso histórico da música ocidental.

               O mestre pernambucano, nascido em 13 de dezembro de 1912, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, deixou para a humanidade um legado cultural que ainda hoje influencia artistas novos e novíssimos artistas no Brasil. A sua luta foi complexa, mas à sua maneira, deixou a marca do povo nordestino, especialmente pernambucano fazendo uso da sua simples linguagem narrando à realidade até então desconhecida pelo povo brasileiro com relação ao nordeste que o próprio cantor, compositor e sanfoneiro afirmava ser tão esquecido. A nossa cultura, como é de acordo e coerente afirmar, tão rica como o Rio São Francisco em águas, cuja colaboração imparcial, é a história desse mestre que fez da sua vida, uma vida de viajante, levando a história do povo sofredor alegre e triste, sonhando com o retorno à sua terra, talvez, debaixo de uma asa branca tão sonhada, porém tão dolorosa.

Para o Rei Luiz Gonzaga, suas narrativas da vida simples na linguagem popular, ou na sua linguagem, tenha representado algo muito natural pela sua experiência e intimidade com as coisas simples da sua jornada, porém, talvez, não percebeu ele, que das linguagens mais ingênuas, estava a capacidade de registrar por meio de metáforas simples, as maiores riquezas que uma nação pode considerar: a sua história, ou a história de um povo.


REFERÊNCIAS

FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo. Editora Nova Fronteira. 2ª Ed. 1987. Disponivel em http://www.pitoresco.com.br/art_data/arte/, acessado em 17-06-2012.

GAERTNER. Leandro. Revista eletrônica de musicologia, Volume XIV, 2010. Disponível em http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv14/03/historiografia_como_ferramenta.html acessado em 17-06-2012.


GONZAGA, Luiz. DANTAS, Zé. DVD Show De Despedida, Riacho do Navio, 1955. Disponível em http://cliquemusic.uol.com.br/discos/ver/a-viagem-de-gonzagao-e-gonzaguinha , acessado em 17-06-2012. 

GONZAGA. Luiz. TEIXEIRA. Renato. Asa Branca, 1947. Disponível em www.gonzagão.com.br ., acessado em 17-06-2012. 

MORAIS. Guio de. GONZAGA. Luiz. Pau de Arara, 1952. Disponível em www.gonzagao.com.br ., acessado em 17-06-2012.
TERRA, Ernani. Português. Scipione 1ª. Ed. São Paulo, 2001.
  





O REGIONALISMO NA MÚSICA VITÓRIA DE SANTO ANTÃO DE LUIZ GONZAGA

Tamiris Manuela Santos da Costa /4º Período de Letras (FAMASUL)

Luiz Gonzaga foi uma das figuras mais completas da música popular brasileira, cantando sempre acompanhado de sanfonas, zabumbas e triângulos. Ele levou a alegria para todo o mundo, principalmente para as cidades nordestinas, onde anima até hoje as festas juninas e os forrós pé-de-serra dessas regiões, com os ritmos, baião, xote e xaxado.  Suas composições tratavam de diversos temas, dentre esses se destaca o regionalismo que o cantor usava em suas composições, para valorizar a cultura de determinada região, como pode ser observado na música Vitória de Santo Antão (Gonzaga, Soares e Pilombeta. 2012). O regionalismo que é apresentado nesta música, busca transmitir aos ouvintes os costumes da cidade, destacando pontos como a alegria das festividades religiosas, as comidas típicas e todo tipo de cultura que faz com que as festas da cidade sejam visitadas por pessoas de todos os lugares.

Conforme FERNANDES (1980, p.1093), “regionalismo é o sistema ou partido dos que defendem interesses regionais; palavra ou frase peculiar a uma região ou regiões; podendo também ser apresentado como caráter regional de uma obra literária.” Desse modo, entende-se que o regionalismo está muito presente nas obras literárias, como em Luiz Gonzaga, para retratar os interesses particulares de determinada região, neste caso os de Vitória de Santo Antão.

Nota-se que se pode encontrar o regionalismo em diferentes situações, como em uma apresentação ou definição dos interesses regionais, nas características linguísticas específicas de cada região e também em obras literárias. Não importa onde seja encontrado, sempre terá a mesma função, de apresentar o conjunto da cultura existente em determinado lugar, diferenciando de uma a outra, devido ao fato que cada local tem sua própria cultura. Por consequência da diferença cultural de cada lugar acontecem as diferentes formas de expressão, fala e representação. Em outras palavras, Gonzaga buscava descrever o modo de agir do povo de Vitória e sua forma de representação. E é o que vemos ao analisar o texto de Vitória de Santo Antão (op.cit.: Gonzaga, Soares e Pilombeta):

Aqui vou deixar meu coração
Adeus Vitória de Santo Antão
Vem gente até de Recife
Pras novena de Vitória
Pra comer rolinha assada
Ribançã frita na hora
As ruas fica intupida
De gente que vem de fora
São nove dias de festas
Quando acaba a gente chora
Lá na roda do lotero
Tem tudo que a gente quer
Chá de burro, sarrabúio
Torresmo, sarapaté
Tem tapioca de coco
Rosário de Catolé
Aprendi até as musgas
Dos toques dos carrocé.     
                                                                                          
A música pode ser considerada como uma forma de arte, uma prática cultural e humana, que busca apresentar as características de um povo. É raro alguma civilização não possuir alguma manifestação musical própria, pois esse tipo de obra percorre não só a cidade de origem, mas também todo o mundo e pode ser considerada como uma forma de divulgar a cultura e os pontos turísticos da região. Na musica citada, podemos observar que o compositor passa aos ouvintes uma característica própria da cidade em questão e o objetivo principal é despertar naqueles que não conhecem as festividades da cidade, em vir conhecer e participar de momentos de grande alegria. Na concepção de HENRIQUES (2012):
Música é a arte de combinar sons de maneira lógica e coerente, onde se propicia um contexto sonórico rico em significados. A linguagem musical transcede as palavras, sendo originada a partir da combinação de sons e pausas (silêncio) ao longo de uma linha de tempo.

Luiz Gonzaga utiliza exatamente o que disse Henriques em sua composição. Ele combina os sons de maneira coerente, passando para os ouvintes a mensagem desejada, através de uma rica linguagem, cheia de sons e significados. Ele faz uso dessa combinação para transmitir e divulgar os costumes daquele lugar de uma maneira tão bem elaborada, que além de propagar a cultura, também anima com a referida composição diversos festejos de caráter nordestinos ou sertanejos. Sem dúvidas alguma, a música revela, da melhor maneira possível, uma característica cultural. Com seus instrumentos musicais, ele retrata os costumes, belezas e riquezas que só existem naquela região. Através de seu repertório, o cantor cria um ambiente aconchegante do local que, com certeza, alcançará seu objetivo, de atrair a curiosidade das pessoas em conhecer uma nova cultura. Considerando que uma manifestação musical pode ser considerada como uma obra, pertencente a nossa literatura brasileira, o professor Jaqueirense, Ricardo Guerra, afirma que (Silva, 2007:17):

Condicionada pela tradição cultural e pelo devir histórico, a literatura tem, no entanto, uma dimensão que não se define somente pelas circunstâncias em que se produz. Nela, o talento individual do artista e a sensibilidade para os problemas de seu tempo são determinantes para mostrar, discutir ou criticar os principais aspectos de uma cultura.


Baseado nessa concepção foi que Luiz Gonzaga mais dois compositores, criaram a música “Vitória de Santo Antão”. Ele utilizou todo conhecimento histórico que possuía da referida região para elaborar sua obra, enriquecendo-a com toda característica musical possível para atrair a atenção o máximo de pessoas. Os autores foram inspirados por toda tradição que a cidade possuía e souberam organizá-la tão perfeitamente que esta música como tantas outras do Rei do Baião fez tanto sucesso. Ela transmite não só as características culturais de um povo, mas também deixa em evidência o grande talento que Gonzaga possui, pois não bastava apenas cantar as características regionais da cidade, era necessário também que ele soubesse organizar essas informações de modo a chamar a atenção das pessoas e isso se fez com grande autoridade.
Portanto, a obra do nosso grande Rei do Baião pode ser considerada como uma excelente composição da forma de expressar o regionalismo presente nas cidades de nosso Estado.


REFERÊNCIAS

FERNANDES, Francisco. Dicionário Brasileiro Globo Ilustrado. 7. ed. Porto Alegre: Globo, 1980. V3.

GONZAGA, Luiz; SOARES, Elias e PILOMBETA. Vitória de Santo Antão. Disponível em http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/1565374, acessado em 24-05-2012.

HENRIQUES, Cláudio. Significados de Músicas. Disponível em http://www.dicionarioinformal.com.br/música, acessado em 23-05-2012.

SILVA, Ricardo Antônio Guerra da. et. al. Estudos Literários e Sociolinguisticos. Artigos em Língua e Literatura. Recife: Bagaço. 2007.







A PLASTICIDADE CULTURAL NA
MÚSICA ASSUM PRETO DE LUIZ GONZAGA

Cícero Felipe Ramos da Silva (Letras/FAMASUL)


Em termos simples, é possível afirmar que a plasticidade cultural caracteriza-se pelo uso artístico de elementos nitidamente regionais, como, por exemplo, a linguagem, os costumes, as tradições, e que tem por finalidade extrair destes o valor e a verdade universal. Por assim dizer, não são apenas os aspectos regionalistas que estão, no fazer artístico, em jogo, mas o que estes têm de sinfrônico, de sublime e, que merece ser retratado e comunicado por meio da arte. A esse respeito, GOMMES (2008:59), em aguda reflexão sobre a plasticidade cultural, esclarece que

Existe algo mais profundo por trás dessa representação cultural; há uma crítica sobre a própria vida, num jogo aparentemente simples, construído de maneira possível, para que se entendam valores universais, a partir de elementos presentes na cultura nativa. 

Com efeito, na ampla gama das representações artísticas brasileiras, há um número muito expressivo de artistas que se destacaram por usar o regionalismo como fonte primária e cardinal de suas produções culturais. Estes, portanto, pertencem aos mais diversos gêneros, a exemplo, na música e na literatura. Na literatura, por conseguinte, destacamos os autores: Ariano Suassuna, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, Manuel Correia de Andrade, Ascenso Ferreira, José Américo de Almeida, Euclydes da Cunha, Gilberto Freyre e dentre outros. Na música, não obstante, é possível elencar Gonzaguinha, Elba Ramalho, Alceu Valença e o nome mais afamado e que representou com grande desenvoltura e maestria o regionalismo nordestino: Luiz Gonzaga.

Este foi, por meio da sua música, um mestre regionalista por excelência, de grandeza incomparável e que fez dos aspectos regionais por ele observados uma usina, um canteiro para que artisticamente, se refletissem as verdades universais que o sertão padrasto continha. Desta feita, a música de Luiz Gonzaga se faz revestida de uma plasticidade cultural nitidamente observada. Ele incorpora às tradições, os costumes, a linguagem e mesmo faz, de forma um tanto satírica, uma análise psicológica do nordestino: sua malícia e sua malandragem. A obra de Gonzaga é um autorretrato dessa malandragem, é uma pintura dos caracteres e trejeitos do nordestino; da sua alegria, da forma como dribla o sofrimento e faz da vida menos penosa, da maneira como retira do sofrer o canto, o ritmo. Aos olhos de Luiz Gonzaga o nordestino era, acima de tudo, um forte; um ser que merecia ter sua força representada – e sua alegria cantada. Toda a sua obra tende para uma plasticidade cultural claramente ressalvada e, se pode prenotar, como exemplo de tal plasticidade a música Assum preto, na qual a liberdade e a cegueira do pássaro triste se fazem confundir com a liberdade e a cegueira do nordestino. Atente para esses versos de Gonzaga e Teixeira:


Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio
não vendo a luz, ai, canta de dor.

Tarvez por ignorança
ou mardade das pió
furaro os óio do assum preto
para ele assim, ai, cantá mió

Assum preto véve sorto
mas num pode avoar
mil vez a sina de uma gaiola
desde que o céu, ai, pudesse oiar

Assum preto, meu cantar
é tão triste como o teu
também robaro o meu amor
que era a luz, ai, dos óios meus.

O texto em destaque, em sua primeira estrofe, começa por descrever a beleza de um lugar um tanto quanto inusitado, sendo situada (a beleza) numa ambientação campestre e pastoril onde em períodos de estação chuvosa o reverdecimento da mata faz com que a mesma se torne mais esplêndida, mais grandiosa, em visível contraste aos aspectos desérticos do referido lugar. Em todo o texto, entretanto, é expressa a tristeza do pássaro e do eu lírico que se fazem percebíveis como quando em “mil vez a sina de uma gaiola desde que o céu, ai, pudesse oiar”, ou em “também robaro o meu amor que era a luz, ai, dos óios meus.”

Há também neste texto uma visível incongruência: o pássaro é “livre”, possui “liberdade”, mas se faz, por consequência de sua cegueira, incapaz de voar. Aqui chegamos ao ponto de caráter universal que pode deste texto ser inferido: a liberdade. O universalismo, pois, não é analisado pelas expressões corriqueiras do local: pela representação da linguagem e da fala nativa. O universalismo também não se faz tão percebível quando em se tratar das ambientações do mencionado lugar como em “Tudo em vorta é só beleza, Sol de abril e a mata em frô”. Mas o universalismo se enfatiza, sobretudo e precisamente, pelo tratamento de um tema universal: a liberdade. A liberdade, pois, do Assum Preto é limitada, uma vez que sendo cego se faz para ele simplesmente impossível alçar voo nos céus do sertão. Metaforicamente falando, o assum preto representa a imagem do sertanejo, pois este é “livre”, mas não pode voar pelos inúmeros fatores que culminam por caracterizar sua cegueira: a falta de educação adequada, a falta de perspectiva profissional e etc.
O sertanejo é preso ao seu lugar como o era o assum preto em decorrência da sua cegueira. Com efeito, o Assum Preto teve seus olhos furados na justificativa de que através desse meio ele poderia aperfeiçoar seu canto e isto se deu por mera ignorância ou por pura maldade. O sertanejo não tem os olhos furados (talvez, quem sabe), mas é castigado pelas constantes secas, pela falta de perspectiva em meio a um sertão padrasto, como que Deus ou o acaso visasse aperfeiçoar sua alma (do sertanejo) por meio do sofrimento. No entanto, da mesma forma como o Assum Preto encontrou razão para cantar, o sertanejo também encontra essa razão em face de um ambiente um tanto inusitado. Luiz Gonzaga foi mestre em fazer tal contemplação, aliás, ele foi um contemplador do belo. Soube encontrar beleza onde olhos comuns jamais (talvez, dificilmente) encontrariam. Para CURY (2003:36), “contemplar o belo é fazer das pequenas coisas um espetáculo aos nossos olhos.” Apenas um contemplador do belo seria capaz de encontrar beleza em um Assum Preto e, além do mais, com os olhos furados. Nisto se resume a visão universalista da vida e, portanto, sua plasticidade cultural. Neste ponto, volta-se a citar GOMMES (op. cit. 58) ao dizer que


Existe algo mais profundo por trás dessa representação cultural; há uma crítica sobre a própria vida, num jogo aparentemente simples, construído de maneira possível, para que se entendam valores universais, a partir de elementos presentes na cultura nativa. 


Há muito mais na obra de Luiz Gonzaga que mera representação cultural; há um retrato da ambientação nordestina, dos trejeitos, da alegria, da malandragem e da alma do sertanejo: este forte que encontra o prazer de sorrir onde outros dificilmente encontrariam. E é essa análise que toma como ponto de partida o que é meramente regional para se elucubrar (ou cantar) temas universais como a liberdade e o amor – como é o caso da música Assum Preto – que nos remetem ao entendimento do universalismo na obra de Luiz Gonzaga e, portanto, de sua plasticidade cultural.  

REFERÊNCIAS:

CURY, Augusto. Dez leis para ser feliz.  Rio de janeiro: Sextante, 2003.
GOMMES, Admmauro. Intradução poética. Recife: Edições Bagaço, 2008.
GONZAGA, Luiz e TEIXEIRA, Humberto. Assum preto. Disponível em  http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga  Acessado em 10/05/2012.


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3 comentários:

  1. Perfeito artigo, parabéns Cícero Felipe, concordo com a sua perspicácia plástica sobre a obra de Luiz Gonzaga, demonstra a sua capacidade de agudeza e do seu olhar de poeta.
    Riccardo Guerra.

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  2. Parabéns a Tamiris Manuela e Cícero Felipe pelos dois artigos acima, vocês captaram perfeitamente a essência literária transmitida pelo Mestre Admmauro Gommes sobre a figura ímpar de Luiz Gonzaga. Futuro brilhante vejo para ambos no mundo da Literatura. Riccardo Guerra.

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  3. É isso aí, Riccardo.

    Nós temos muitos talentos na FAMASUL. Vale a pena acreditar na força e habilidade de nossa gente. Por isso, estamos pretendendo também prestar uma homenagem ao Rei do Baião, com um livro de artigos. Seria muito honroso para nós podermos contar com a sua participação.
    Seja bem-vindo neste projeto.

    Um abraço.

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